expr:class='"loading" + data:blog.mobileClass'>

quarta-feira, 7 de junho de 2023

Odisseia no Golfo da Guiné - "Não te vás embora irmão!...Não vês como está bravo o mar?!...Fica connosco!... - Não te queiras afogar! - Era o apelo dos tripulantes do pesqueiro Hornet que carregou a canoa em S. Tomé e ficou de me largar na corrente equatorial a sul de Ano Bom, - Depois quis que eu ficasse a bordo a trabalhar. Preferi ser largado abraçado à canoa e naufragar -Mesmo assim, oh! quem me dera voltar a navegar nos distantes mares do sul!...

Jorge Trabulo Marques - Protagnizou esta odisseia  - Em Outubro-Novembro de 1975

O duelo com o mar é sempre um pitoresco e nobre desafio, o eterno sobressalto nas águas fatais e confusas mas  também a sacra oportunidade  da alma se elevar e revigorar num suspiro de heroicidade e brilho!... Homens do mar!...  Portai-vos sempre como bravos!...Pois só assim podereis amar o mar!...



Noites havia em que, em torno de mim, não havia céu nem estrelas, O teto das nuvens era escuríssimo, pesado e ameaçador e o mar um vasto e tumultuoso caldeirão de negrume em permanente convulsão - A minha frágil canoa, lá ia derivando perdida, sem destino, erguida acima de cada montanhosa vaga. Como se fosse uma coisinha de nada, balanceando ao deus dará à mercê da fúria da imensidão daquela negríssima e espumosa toalha de água salgada. Sozinho e abandoando de todo o mundo nem assim cruzava os braços e desistia de lutar pela vida. Mas só Deus sabia com que tremendo esforço o fazia.



"O barco tem que pescar!!... Ou  fica a bordo a trabalhar ou meta-se já dentro dela e borda fora!... " - Ordenou-me o comandante  - Optei por  ser largado ao mar a norte da Ilha de Ano Bom, abraçado à minha frágil piroga!.. Preferindo naufragar  



E foi o que sucedeu 38 dias e noites a fio...Naquele mesmo dia, à noite,  em alteroso mar bravio, atiçado pela violência de inesperado tornado, assim foi esse o drama que o destino me reservou  reservava, à mercê da fúria dos ventos tempestuosos, das misteriosas correntes e das enormes vagas!


 A  canoa foi construída por um pescador da Vila  das Neves, atual distrito do Lembá, num tronco escavado  de ócá na floresta sobranceira - Tendo sido depois concluída, com algumas proteções nos bordos e uma pequena ponte à popa e à proa, na praia Rosema, donde iria partir para a Baía Ana Chaves e daqui para  bordo do pesqueiro Hornet - que acostara ao largo para deixar um tripulante hospitalizado - afim de  ser largado na grande corrente Equatorial, rumo ao Brasil, evocando antiga rota dos escravos, entre outros objetivos.





No primeiro dia após a largada de Ano Bom
Foto a bordo do Hornet

Porém, ao aproximar-se da Ilha de Ano  Bom,  o comandante, recusou-se a levar-mecom a canoa  um pouco mais para sul, num ponto onde  me libertaria dos ventos e das correntes que sopram e correm de  Sul para Norte  e poderia apanhar o braço das correntes que se  deviam para o este do Atlántico  -   Quisera demover-me da ousada aventura, oferecendo-me trabalho a bordo; era prudente e cauteloso, receava que o frágil madeiro escavado, não suportasse as investidas do mar.



Mesmo assim,  oh! quem me dera voltar a viajar até aos distantes mares do sul e ouvir o comandante do pesqueiro a  gritar da ponte: canoa ao mar!!...E ouvir de novo a mesma ordem..

A noite ia alta, o mar encrespado!  
E, apesar da fadiga e do cansaço 
da faina de um longo dia de pesca, 
parecia que ninguém queria ir aos beliches.
Ao meu lado, vários olhares apreensivos,
ainda envergando as habituais capas,
embora já bastante acostumados
aos horrendos cenários do tornado,
perfilavam-se volvidos e concentrados
além da escotilha!.. Todos viam,
com assombrosa nitidez, através
da embaciada ocular janela,
as constantes investidas do  mar
medonho, ameaçador, convulsivo!
Fustigando o barco, que balançava
da proa à popa, ao convés - varrido!


Via-se e ouvia-se, em cada negra vaga
que os relâmpagos a espaços iluminavam,
o revolto remoinho, o tumulto enegrecido
e pálido que se erguia,  o turbilhão violáceo
das águas a rebentar e a estrondear!...
- Sim, não nego, não desdigo tudo isso!
O pavor que tudo aquilo me infundia!
O temor  daquela pavorosa imagem!
A  noite era povoada de escombros
e de assombro! - Também o meu coração!
Tudo aquilo, me infundia estranho medo,
causava-me alguma inquietude e apreensão.

Não vás amigo! Fica junto de nós a trabalhar!
Não te vai faltar nada! – Não vês como bravo está o mar?!...
Não vás irmão!...Não te queiras  afogar!..Não vês a morte!...
Não vês a tempestade, a ameaça do mar a  espreitar-nos?!...

Mas eu preferi envolver-me no que ele tem de generoso e colérico,
fazer dos seus humores, calmarias ou tempestades, o meu desafio,
confiar nos caprichos e ditames do destino da boa ou da má sorte!
Por isso, na manhã seguinte, mal o sol equatorial  raiou a despontar,
como que emergindo do fundo do vasto manto azul circular: à voz
de "canoa ao mar"! Lá fui sozinho à minha vida, rumo ao Norte!
Desiludido por não ter sido largado um pouco mais a sul e a oeste,
lá parti, de regresso a São Tomé, pelo desconhecido oceano a fora
!

Aproximação à Ilha de Bioko

E, a verdade,  as três noites que passei  a bordo foram  horríveis, escotilhas fechadas, ninguém podia ir ao convés, ondas a varrerem-no de ponta a ponta ! - "Você vai morrer!... Fique connosco a trabalhar!"..Diziam-me alguns dos marinheiros, que vinham a espreitar ao meu lado o vendaval da noite cerrada!.. .Estava-se em plena época das chuvas, o mesmo cenário iria repetir-se na noite seguinte.

Em parte, o cauteloso Comandante, tinha alguma razão - mas apenas pelo facto de ir sozinho e  a canoa necessitar de mais braços.

Mesmo assim, lutei e sobrevivi durante 38 longos e atribulados dias. Pois, o que há de mais perigoso, mortífero  e assustador, não é o mar largo! São as áreas costeiras -  Eu sabia, que, afastado dos tornados e calmarias do grande Golfo da Guiné, não teria tantas dificuldades! - Sim, é verdade:  lá diz o velho ditado: "o que há de perigoso no mar é a terra" - E foi sempre o que eu mais receei: pois não podia prever onde chegava, em que ponto iria aportar,  a que horas da noite ou do dia me poderia aproximar de chão firme. A simples bússola não bastava.




Nenhum comentário :