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sábado, 7 de outubro de 2023

Dia Nacional dos Castelos - José Saramago no Castelo de Marialva Mêda, em 22 de Maio de 1999

                                Jorge Trabulo Marques - Jornalista, fotojornalista e investigador

CASTELO DE MARIALVA - MÊDA - AOS OLHOS DE JOSÉ SARAMAGO –Neste Dia Nacional dos Castelos - Onde passou por três vezes – Esta uma das várias imagens que tive o prazer de registar em 1999 e o texto do que escreveu, em Viagens a Portugal, publicado em 1981 após uma longa viagem de quase um ano feita pelo autor, entre outubro de 1979 e julho de 1980, quando ele percorreu as terras portuguesas de Norte a Sul e de Leste a Oeste a convite da editora Círculo de Leitores.

José Saramago, no dia 22 de Maio de 1999, foi calorosamente recebido e homenageado, pelo município de Mêda, liderado por João Mourato, pela atribuição do prémio Nobel da Literatura, onde foi brindado por um saborosíssimo banquete, com os melhores vinhos, aperitivos e pratos tradicionais do concelho, após ter visitado o Castelo de Marialva, onde foi descerrada uma lápide a uma citação do seu livro

Na já distante década de dos finais de 70, Saramago estava ainda longe do reconhecimento público de que viria a gozar anos mais tarde, em 8 de Outubro de 1998, com a atribuição do Prémio Nobel da Literatura- Estivera longos meses desempregado, na sequência do 25 de Novembro de 1975, e aplicara toda a sua férrea força de vontade na escrita, de que resultaria, além do livro Levantar do Chão, o de Viagem a Portugal

Nessa Viagem a Portugal descrita por Saramago, o autor se diz um viajante e não um simples turista. E é ele próprio que explica o que distingue um termo do outro: “Há grande diferença. Viajar é descobrir, o resto é simples encontrar” E é nessa busca por descobrir Portugal que o viajante Saramago nos apresenta um país muito especial


O QUE DISSE DA VISITA A MARIALVA

Vai o viajante continuar para norte, pela estrada a nascente da ribeira de Teja(...). Passa em Pai Penela, e, dando a volta por Mêda e Longroiva (...), apanha a estrada que vem de Vila Nova de Foz Côa e torna para sul. O caminho agora é planície, ou, com rigor maior, de planalto, os olhos podem alongar-se à vontade, e mais se alongarão lá de cima, de Marialva, a velha, que esta fundeira não tem motivos de luzimento que excedam os legítimos de qualquer terra habitada e de trabalho(...)

Marialva foi chamada, em tempos antigos, Malva. Antes de o saber, o viajante julgou que seria contração de um nome composto, Maria Alva, nome de mulher. E ainda agora não se resigna a aceitar que o primeiro batismo venha do rei Leão, Fernando Magno, como dizem certos autores. Sua Mercê não veio, evidentemente, de Leão aqui para ver se esta montanha quadrava bem o nome de Malva. Curou por informações, algum frade que por cá passou e tendo visto malvas julgou que era a terra delas, sem reparar, em seu recato de frade preceituado, que naquela casa hoje arruinada vivia a mais bela rapariga do monte, precisamente chamada Maria Alva, como ao viajante convém para justificar e defender a sua tese. (...)

De indiferente e calado se não pode acusar o castelo. Nem a vila velha, as ruas trepam a encosta, nem quem aqui mora. O viajante sobe e dão-lhe as boas-tardes com tranquila voz. Estão mulheres costurando às portas, brincam algumas crianças. O sol está deste lado do monte, bate nas muralhas com clara luz. A tarde vai em meio, não há vento. O viajante entra no castelo, daqui a pouco virá o velho Brígida dizer onde está a arca da pólvora, mas agora é um solitário que vai à descoberta do que, a partir deste dia, ficará sendo, no seu espírito, o castelo da atmosfera perfeita, o mais habitado de invisíveis presenças, o lugar bruxo, para dizer tudo em duas palavras.

Neste largo onde está a cisterna, onde o pelourinho está, dividido entre a luz e a sombra, adeja um silêncio sussurrante. Há restos de casas, a alcáçova, o tribunal, a cadeia, outros não se distinguem já, e é este conjunto de edificações em ruínas, o elo misterioso que as liga, a memória presente dos que viveram aqui, que subitamente comove o viajante, lhe aperta a garganta e faz subir lágrimas aos olhos. Não se diga daí que o viajante é romântico, diga-se antes que é homem com muita sorte: ter vindo neste dia, nesta hora, sozinho entrar e sozinho estar e ser dotado de sensibilidade capaz de captar e reter esta presença do passado, da história, dos homens e das mulheres que neste castelo viveram, amaram, trabalharam, sofreram, morreram.

O viajante sente o Castelo de Marialva uma grande
responsabilidade. Por um minuto, e tão intensamente que chegou a tornar-se insuportável, viu-se como ponto mediano entre o que passou e o que virá.

O viajante vai até o ponto mais alto das muralhas e se pergunta: “Que gente viveu dentro desse castelo? Que homens e que mulheres, suportaram o peso das muralhas, que palavras foram gritadas de uma torre a outra torre, que outras murmuradas nestes degraus ou à boca da cisterna? Aqui andou Gualdim Pais, com os seus pés de ferro e o seu orgulho de mestre dos Templários. Aqui humilde gente segurou, com os braços e o peito sangrando, as pedras assaltadas. O viajante quer entender razões e encontra perguntas: por que foi?, para que foi?, terá sido apenas para que eu, viajante, aqui estivesse hoje?, têm as coisas esse tão pouco sentido?, ou será esse o único sentido que as coisas podem ter?"

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