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sábado, 28 de janeiro de 2023

Escritor Vergílio Ferreira – Nasceu em 28 de Janeiro de 1916, em Melo, Gouveia – Autor de 23 livros de ficção, 12 ensaios, 10 diários Distinto Amigo “Para Sempre” até ao “Canto Final” - Deu-me o grato prazer de me receber várias vezes em sua casa e até de o entrevistar em alguns dos seus aniversários neste dia

 orge Trabulo Marques - Jornalista 


"Há dias a RDP passou-me à porta e um jovem subiu com uns aparelhos. Que é que pensava da carga que já me pesava?Ora. Que era uma «conta calada» e tão calada que já apelava em mim para o silêncio. Ouço o apelo e aqui me fico" In Conta-corrente Janeiro 1982 " - Este foi o dia do principio de várias visitas a sua casa e de uma fraternal amizade 

Às 15 horas do dia 28 de Janeiro, sexta-feira, de 1916, em Melo, concelho de Gouveia, nasce Virgílio António Ferreira, filho de António Augusto Ferreira e Josefa Ferreira.

ESQUECE... 

"Esquece. Esquece a amargura, os atropelos, o cansaço. E as maledicências, as traições, os rancores. Esquece  o trabalho que te traz em alvoroço e os fracassos de uma vida inteira e os projectos falhados para antes de começarem a ser projectos. E as invejas, as insidias como dentes por entre o sorriso. Esquece. E sê contente e respira." PENSAR V.F

Mas eu não posso esquecer-me de um homem inteligente, sensível e de um bom amig

Sim, não posso esquecer-me, neste dia, em que, por várias vezes o visitei e lhe dei os parabéns no dia do seu aniversário A   essa figura ímpar da nossa literatura – Do homem beirão, que nunca perdeu aquele sotaque das suas raízes – Embora, com a maior parte  da sua vida, afastado da sua terra natal -  vivida em Évora e em Lisboa - salvo aqueles dias de refúgio em Fontanelas, onde acabaria por falecer.

FALEI COM VIRGÍLIO NA SEMANA EM QUE MORREU - 

Uns dias depois de ter falado com ele ao telefone, confessando-me que estava a escrever mais uns livros, que dificilmente os iria concluir, porque, sentia-se já  com os pés no Paraíso, pelo que, qualquer dia, ia dar o badagaio. 
Disse-me, mais tarde a esposa, que morreu depois do lanche da tarde: quando ela voltou à sala, estava já ele estendido no chão, voltado para o tecto, não tendo sequer exprimido um ai. Foi o que se pode dizer a morte suave que ele esperava,  sem o maçar muito e causar maçadas - Uma morte santa, se é que a morte tem esse carácter: ali, próximo da sua janela, donde tantas vezes havia espreitado sol e contemplava o cair da chuva, ouvia o ruído da passarada e o rumor dos pinheiros. -  De palavra fluente, erudita, profunda e atrativa. Mesmo quando o acusavam – nos seus diários – de algum filete. Dizia-me, que,  nos seus romances, a sua preocupação não  era contar histórias mas dar  pinceladas de vidas. "Histórias era no tempo da minha avó" - Pois bem, mas era lá que ele ia buscar a seiva mais profunda e genuína



"O que está perto dos olhos é o que menos se vê  - 

"O que mais me recordo da minha infância, não tem a ver com factos mas com atmosferas! – Começou por nos revelar na interessantíssima entrevista, de mais de meia hora, que nos concedeu – Durante a qual nos falou da sua obra, tendo-nos dito que, os contos é onde menos se pode repetir, considerando, porém, que é  o romance que mais o fascina, que é de uma magnitude incomparável!

(Conversando com os alunos no Liceu Camões (Lisboa, 1981)

UM BEIRÃO DE GEMA - A quem a Serra da Estrela deu elevada  dose de sensibilidade, inteligência, aprumo e imaginação - Foi grande entre os maiores e  continua a ser um dos maiores vultos da nossa literatura, cujas obras são uma reflexão à vida , enquiecem e o espíeito e dão que pensar. 

Eduardo Lourenço   Falou-me de Vergilio Ferreira e da sua imensa saudade do seu grande amigo: tínhamos encontros e repensávamos o mundo

Vergílio Ferreira  - Autor de uma  vasta obra, traduzida em várias línguas e  repartida pela ficção (romance e conto), ensaio e diário. Costuma ser agrupada em dois períodos: o neo-realismo e o existencialismo. Temas como a morte, o mistério, o amor, o sentido do universo, o vazio de valores, a arte,  constituíram a fonte  da sua riquíssima produção  literária.

Vergílio Ferreira  nasceu em Melo do concelho de Gouveia na Beira Alta, a meio da tarde do dia 28 de Janeiro de 1916. Se fosse vivo, faria hoje, 107 anos. Mas morreu aos 80. Foi dos autores  portugueses  - através da leitura do livro Manhã Submersa - que mais cedo despertou a minha curiosidade e com o qual viria a manter um relacionamento amistoso, desde o principio da década de 80, até a escassos dias antes da sua morte - Já que, nessa mesma semana, lhe tinha telefonado para o ir visitar a Fontanelas, onde acabaria por falecer.


Porém, aquele livro, só o pude ler em São Tomé, onde vivi 12 anos  - Depois voltei a comprar outro,  mais tarde - Vergílio Ferreira teve a gentileza de mo autografar  - Foi a 28 de Janeiro de 1995, no dia do seu aniversário - É o mesmo que ele tem nas mãos, que se vê na foto.  O primeiro deixei-o naquela ilha, com demais espólio, uma vez que, as duas  últimas viagens, foram feitas em aventuras de canoa: uma de São Tomé à Nigéria e, a seguinte, a tentativa de uma travessia oceânica  de São Tomé ao Brasil, tendo naufragado   


VERGILIO FERREIRA  - O  SEMINARISTA FALHADO MAS  HÁ FALHAS NA VIDA QUE DÃO CERTO - SE NÃO PASSASSE PELO SEMINÁRIO, TALVEZ NÃO FOSSE O GRANDE ESCRITOR QUE FOI


"Os meus pais emigraram para os Estados Unidos, tinha eu 4  anos. Passei a morar com as minhas tias maternas. Esta separação custou-me muito. Sobretudo, a partida da minha mãe. 
Abri o meu romance Nítido Nulo e lá podeis encontrar toda a 
minha dor.
Aos 10 anos, em 1926, entrei no Seminário do Fundão, onde  permaneci durante seis anos. Desse tempo de aprisionamento  que ensinava a separação do mundo, falei no meu romance 
Manhã Submersa. Lá podeis encontrar muito do que vós mesmos experimentastes no vosso Seminário.

Depois de sair, completei o curso liceal no Liceu da Guarda e  rumei para Coimbra, onde me licenciei em Filologia Clássica".
In (1)Aparição de Mim aos Antigos Alunos Redentoristas Arsénio Pires Arsénio Pires




“Depois da morte não há nada” –    Eu já pensei que a morte era uma a passagem para o além, para uma vida que se seguiria a esta…Aliás, quando pensei, tinha toda a aparelhagem para isso, nesse mesmo além… Haveria um céu, haveria um inferno, haveria um purgatório, etc  - 

TAMBÉM PASSEI PELO SEMINÁRIO -MAS FUI EXPULSO POR FALTA DE VOCAÇÃO - GRAÇAS A DEUS  - Pois não trocaria as experiências de vida, que até hoje conheci, por profissão alguma ou dinheiro algum

Vergílio Ferreira saiu por livre vontade, a mim expulsaram-me ao fim de pouco tempo - Mas ainda bem que me mandaram embora por falta de vocação -A minha vida teria sido diferente. Creio que dificilmente teria vivido as odisseias nos mares que vivi  - http://canoasdomar.blogspot.com/2019/11/perdido-no-golfo-da-guine-36-dia-tenho.html

E, para mim, tais experiências, não valem uma vida, valeram eternidades! -  Fui expulso, talvez em parte devido a uma  bebedeira de medronhos, num dos passeios semanais fora do seminário, lá para uns sítios, de vinhas e medronheiros, onde os país de José Cid tinham um solar fantástico! 


FUI SEMINARISTA POUCO TEMPO MAS O SUFICIENTE PARA RECONHECER NA OBRA DE VIRGÍLIO  FERREIRA, PONTOS COMUNS COM A VIDA CASTRADORA DAQUELAS INSTITUIÇÕES RELIGIOSAS E AS RAZÕES PELAS QUAIS ALI FUI PARAR


"Ao longo das estações, o comboio ia largando  seminaristas e mais seminaristas" (...) Lembro-me de que na estação da Covilhã, quando três seminaristas se despediram da carruagem, um patife de ganga atroou a gare  com um grito de corvos: - Quá, quá! Quá, quá!" In Manhã Submersa" 1953 -



   A leitura deste livro fez-me 
recordar as semelhanças do que  então se passou comigo e do que pude observar. -  Mesmo, no escasso tempo  em que estive no seminário de  Mogofores    -  aos 11 anos -,  a obra de Vergílio Ferreira trouxe-me à memória as condições (de pobreza e falta de alternativas) devido às  quais meus pais me enviaram para o grande casarão conventual, a rigidez dos  testes psicotécnicos e médicos nos exames de pré-selecção e admissão, os castigos das infindáveis orações, os extensos claustros povoados  por uma vivência castradora, por uma disciplina férrea, inflexível, regida por conceitos de obediência e prontidão, que faziam daqueles lugares "santos", mais purgatórios ou infernos de que a preparem ministros de Deus para  salvarem as almas das tentações infernais,    a desumana hipocrisia da beatitude e das  falsas aparências, desde o interior de vetustos  edifícios a recreios e jardins,   exceptuando os cozinheiros e mulheres da lavandaria e rouparia, toda gente vestia de negro. O luto fúnebre  das farpolas pairava  por todo o lado e só se desvanecia no verde das matas ou vinhas por onde cabriolávamos, quando  havia as tais passeatas. 




 
BANDOS DE CORVOS NEGROS QUE SE ESPALHAVAM POR APEADEIROS E ESTAÇÕES 

Recordo-me da quantidade de seminaristas,  vindos, como eu,  no comboio da Beira Alta até à estação da Pampilhosa. que aguardavam a transferência para  comboio  da Linha do Norte, que deveria parar na estação  de Mogofores -  Pareciam  bandos de tordos ou corvos espalhados ao longo da estação - Mas também dos que foram entrando em todos apeadeiros e estações. Não havia carruagem que não se notassem jovens com farpelas negras - Uns de fatos outros de batinas. Hoje, a maioria dos seminários, ou foram extintos ou estão às moscas - Não apenas por falta de vocações, mas porque a igreja não se renovou e insiste em ser velha - Não tanto pelas novas gerações sacerdotais, mas porque, as mais velhas, não largam os conceitos doutrinais em que se formaram - E são estas que mandam na igreja.

AMBIENTE OPRESSIVO - ONDE A LIBERDADE SE CONFUNDIA COM O ACTO PECAMINOSO

 

O ambiente, que fui conhecer naquele antigo seminário salesiano   situado na freguesia da Anadia - hoje transformado em Colégio Salesiano S. João Bosco -não divergia do seminário do Fundão, nos seis anos em que ali estudou Vergilio Ferreira, - Não me pareceu que fosse diferente do exposto naquela sua extraordinária obra literária,  editada pela primeira vez dois anos antes de eu também viver a breve experiência de  seminarista - breve mas o bastante para ficar vacinado para sempre - A atmosfera claustrofóbica que pairava nos dormitórios, cujo silêncio só era quebrado pelas tosses, a luz difusa das lamparinas de azeite ou de uma outra lâmpada avermelhada ou amarelada  que ficava acesa, depois de que as lâmpadas brancas eram apagadas, parecendo lembrar um velório dos mortos, os cheiros intensos de remédios, a álcool,  tédio e a solidão nas enfermarias, a vigilância nos recreios, nos corredores e claustros, e até nos passeios, todos em formatura, a  vigilância silenciosa e soturna e apertada que pairava por toda a parte, de noite e de dia,  as figuras esfíngicas dos sacerdotes, desde os professores,  aos  confessores e reitores, as orações da manhã, do fim, da tarde, missas e mais missas, confissões e mais confissões - Masturba-se? Teve relações com companheiros?!.

Quando ouvi falar do livro de Manhã Submersa, já eu estava em São Tomé, aos 18 anos, para onde fui estagiar  - Foi na Roça quando o li pela primeira vez. Como o ordenado, era fraco (500$00 mensais) depois dos descontos para a viagem e alimentação, foi dos poucos livros que pude comprar.  Li-o com muita curiosidade. -  Vi que nele se incorporavam  as duas experiências  a do seminarista  e a do escritor – Ou seja,  de alguém que escrevia com conhecimento de causa - Descobria ali aspectos comuns à minha ida para o seminário e do ambiente que lá fui encontrar. 



Do alto das velhas muralhas do Fortim de São Jerónimo onde tantas vezes olhava a espuma que ali ia rebentar nas rochas negras e contemplava o mar ao largo, sim, muitas vezes ali me envolvi em prolongadas cogitações. E só via o mar... Só pensava, obsessivamente, nas distâncias e nas entranhas do mar.!.. Olhava-o com pasmo e respeito, mas queria sentir-me também parte dele! Ser mais um elemento do mítico e misterioso oceano! Ir por ali a fora numa das ágeis pirogas.! Desvendar segredos esquecidos no tempo! - Não tenho boas recordações do colonialismo mas nunca deixei de admirar os nossos heróicos marinheiros

AMIGOS PARA SEMPRE – Eu admirava (admiro) a obra e a personalidade de Vergílio Ferreira. Ele admirava o meu espírito aventureiro - O Palco do grande oceano, que sempre o haveria  de fascinar – Embora tendo nascido bem longe do mar, tal como eu. 


Vergílio Ferreira  gostava do campo mas também do mar - Via  no mar o seu maravilho palco contemplativo  - Daí talvez a razão do seu retiro predileto ser em Fontanelas - Onde podia desfrutar de ambas as coisas -  Num pulo podia ir até ao alto das arribas ou dar um mergulho na Praia das Maçãs. 


"Que fascinação ele exerce sobre mim, nascido entre pedras da montanha. É a fascinação do incomensurável e majestoso e potente, a sedução do sem-limite, da sua infinitude, o absurdo do incansável das suas ondas, a beleza irrepresentável da sua alvura, a doce e larga dormência do seu rumor" In conta-corrente 21 Junho  (1990)

"Ir ver o mar. Vê-lo  de vez em quando e sempre com a mesma fascinação. Que é que vem dele para assim nos fascinar? A sua força imensa diante da nossa pequenez. O seu mistério e inquietante da sua visibilidade" - In Pensar - V.F.



Quando lhe contei as minhas aventuras nos mares do Golfo da Guiné,  ficou muito admirado e entusiasmava-me a escrever um livro - Mas ainda não o escrevi. Noutro site, lá vou recordando essas facetas, mas não tenho passado disso. A bem dizer, há  tanto para contar que nem sei por onde começar.


"Olhar o mar do alto das arribas. Percorrer mar (1) infinitamente, num olhar balanceado, todo o círculo do horizonte. Olhar em baixo o cavado das ondas com grandes veios de mármore, seguir-lhes o percurso até às rochas, vê-las estoirar contra elas e erguerem-se numa explosão alta de espuma ao retardador. Aspirar fundo o seu aroma genesíaco a infinidade, a espaço e a solidão. Ouvir-lhe o fervor da caleira do mundo. Sentir instantaneamente a distância   da fragilidade e da pequenez à dimensão poderosa e sem limites. Conhecer o azul ainda húmido no instante da sua criação. Recolher a saudação de outras terras e de outras gentes que vem na aragem  por sobre a extensão das águas. Ficar atento a um sinal indistinto que anuncia o começo do mundo. Entender a linguagem cifrada  de um destino comum entre mar e céu. Olhar o mar do alto de uma falésia." - In Pensar 1992 V.F (1) mar - esta palavra não está impressa na edição publicada pela Bertrand Editora -  Uma das correções feitas à mão pelo autor no próprio livre que me ofereceu.

 


Eu experimentei as duas faces: o lado horrível, afrontoso, sufocador,  apavorante, vertiginoso, mas ao mesmo tempo,  sedutor, estranhamente  pacificador, como se a morte (depois de momentos que me pareceram autênticas eternidades, de uma luta inglória) me quisesse acolher nos seus braços, como a mãe que acalenta o seu filho, a paz e a resignação que  certamente todos os náufragos receberão,  após esgotada toda a sua resistência.  Aconteceu-me, por duas vezes, uma, em  garoto, aos 9 anos, quando caí a um poço com a minha irmã, e, outra, em noite negra como breu, quando, em pleno mar alto navegava numa frágil piroga e  me vi repentinamente confrontado no seio das entranhas de corridas ondas negras. Na vertigem do vulto das quais me vi envolvido,  quando  o sono me surpreendeu e a cuja tentação não  resisti, adormecendo e mergulhando naquela massa informe e escura. Sim, a morte mexe com os escritores, que a escolhem para tema favorito das suas lucubrações. Mexe com o seu pensamento mais profundo e com a sua imaginação – Muita dessa temática, atravessa a vastíssima obra literária de Vergilio Ferreira.


QUANDO A MORTE SE ANTEVÊ BREVE E SUAVE....


"Não temas a morte. Porque jamais ela pode coincidir com um momento em que tu a temes" VF

"Morrerás em breve. É incontestável. E quanto verdade morrerá contigo sem saberes que a sabias. Só por não teres a sorte de num simples encontro ou encontrão ta fazerem vir ao de cima"

"A morte não é assim um flagelo, mas a rectificação  do que já foi decidido. A morte apenas subscreve o que já somos como extraordinários. E há só que deixá-la rubricar à pressa o nosso destino, que tem mais que fazer. Morte, podes vir. Não falas cerimónia. Mas sé educada e não me maces muito" Excerto do livro Pensar - 1992 VF


Em 1932, deixa o seminário e acaba o Curso Liceal no Liceu da Guarda. Começa a dedicar-se à poesia. Entra para a Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, continuando a dedicar-se à poesia, nunca publicada, salvo alguns versos lembrados em Conta-Corrente e, em 1939, escreve o seu primeiro romance, O Caminho Fica Longe. Licenciou-se em Filologia Clássica em 1940. Conclui o Estágio no Liceu D.João III (1942), em Coimbra. Começa a leccionar em Faro. Publica o ensaio "Teria Camões lido Platão?" e, durante as férias, em Melo, escreve "Onde Tudo Foi Morrendo". Em 1944, passa a leccionar no Liceu de Bragança, publica "Onde Tudo Foi Morrendo" e escreve Vagão "J". Na sua vida de professor liceal, há dois monumentos fundamentais: a sua estada em Évora (1945-1958) - que entrará para o nosso imaginário através de Aparição - e a sua vinda para Lisboa (1959), onde ensinou no Liceu Camões até à sua reforma.

A primeira fase do seu percurso romanesco, agora retirada da edição da Obra Completa enquadra-se no neo-realismo então vigente. Ainda assim, Vagão J (1946) opera já uma pequena revolução sem consequências: o movimento neo-realista passou-lhe ao lado, e o autor, perante a incompreensão da crítica, recuou e só viria a reincidir muito mais tarde.

Com Mudança (1949) começa Vergílio Ferreira a conquistar a sua voz própria. Aliás, em maior rigor, dever-se-ia dizer que é a voz própria que começa a conquistar o seu autor. De facto, Mudança estava arquitectado para ser um romance neo-realista exemplar - e em muitos aspectos é-o; mas é também outra coisa, que posteriormente se veio a interpretar como sendo a deslocação do neo-realismo para o existencialismo. Tal deslocação ter-se-lhe-á imposto inconscientemente no processo de escrita, sobretudo no tratamento do tempo e da figura da infância. Na velocidade do tempo que estrutura o romance - e que decorre do modo de representação neo-realista: materialismo histórico e materialismo dialéctico, a figura da infância enquanto queda para o passado e queda tanto mais desamparada quanto esse passado não é apenas uma memória mas sobretudo o sem fundo que fecha e vela o próprio sentido do nosso trânsito pelo tempo, a figura da infância introduz a desaceleração que toda a hipótese de um sentido arqueológico introduz. Não significa isso que essa atenção ao mais original solucione os problemas de sentido - ela desloca apenas as coordenadas da procura. Mas com esse movimento transforma-se também o modo de representação..Vergilio Ferreira - Vida e Obra...Vergílio Ferreira - Wikipédia, a enciclopédia livre


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