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terça-feira, 23 de abril de 2024

São Tomé e Príncipe - Custo de vida colonial - Antes do 25 de Abril – Nas roças ainda persistia a escravatura do tempo do chicote - Tanto para trabalhadores nativos como para os chamados serviçais, que eram contratados de outras colónias, nomeadamente de Cabo Verde, Guiné, Angola e Moçambique.

 Jorge Trabulo Marques - Jornalista  - Antigo aluno da Escola Agrícola Conde S. Bento, em Santo Tirso  - Com videos registados na Roça Uba-Budo, em 2014, bem como na antiga Roça Rio do Oiro,  atual Agostinho Neto e noutras roças

A vida era dura e escrava também para o empregado de mato, tal como também ali fui. Depois das tarefas executadas, das capinagens, das colheitas ou das quebras de cacau, subindo e descendo vertiginosas grotas, tinha que vaguear pelos caminhos ou trilhos do mato, limpando os rebentos dos cacacueiros com a catana (machim) na mão, chovesse ou não a granel: - havia que suportar todas as intempéries até ao último raio de sol . Além disso, o escravizado empregado de mato, só podia gozar das chamadas férias graciosas, regressarem às suas aldeias, de quatro em quatro anos

Daí que não possa esquecer-me daqueles duros dias da chibata nas costas e das palmatoadas, dadas pelos capatazes, sintonizados com a hierarquia das ordens do Patrão da "Casa Grande", em que não faltava comida, ao estilo farta cavalos, mesmo que fosse fuba com bolor e feijão furado com bicho, lagarta na couve, peixe seco quase apodrecer, o que não mata engorda, porque também era a ração que davam às vacas e a outros animais, pois, saco vazio não fica de pé e interessava que todos, sem exceção, fossem animais de carga.

Era farta e folgada para os administradores e feitores gerais, mas sobretudo para os donos das roças, mais deles vivendo refastelados na “metrópole”, à sombra dos avantajados lucros das grandes plantações, especialmente de cacau e de café e livres de prestarem contas ao Estado do que arrecadavam, pois chegavam a ter até mais poder de que os próprios governadores. Sem outras preocupações que não fossem as de encher os seus cofres por depósitos na banca e por transferências sistemáticas para à Metrópole
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Além do palácio do administrador, dos armazéns, das várias instalações tecnológicas ,escritórios, das senzalas, creches, capelas, hospitais, a bem dizer também podiam reprimir e aplicar castigos físicos à vontade.

No entanto, em 2014, quando ali voltei, pude constatar, com um misto de tristeza e decepção, que, além das instalações se encontrarem muito degradadas, praticamente em ruinas e irreconhecíveis, nem por isso a vida ali conheceu melhores condições. Tendo ouvido desabados, como este: no tempo da escravatura, tínhamos comida, agora, que somos livres, falta-nos quase tudo.

NÃO ESQUEÇO A DUREZA DAQUELES DIAS NA ROÇA


Sim, continua ainda muito presente na minha memória, aquele recuado ano, quando para ali fui em 1963, com 18 anos, a fazer um estágio do meu curso agrícola, que havia tirado em Santo Tirso, um tal Pereira, administrador, pouco tempo depois, mandou-me de castigo a contar cacaueiros velhos para a Roça Ribeira Peixe, da mesma Companhia Agrícola Ultramarino, por me ter recusado a tratar os pobres serviçais por tu: - um dia chamou-me lá à administração, para me dar esta ordem: “ o Sr Feitor Geral, já lhe disse, mais de umas quantas vezes, que os serviçais têm de ser tratados por tu; não se lhes pode dar confiança: tem uma hora para arranjar a mala; preciso do jipe, não se demore. Vai fazer o seu estágio na Ribeira Peixe.





Na roça Bombaim - Não vi grandes diferenças, em 2014

E o estágio, que me impunha era o de contar cacaueiros abandonados, para os lados da Roça Novo Brasil, numa zona de grande capinzal e infestada de serpentes Eu contava cada caule e um trabalhador Cabo-verdiano, que andava com uma caldeirinha de água de cal na mão, à medida que os contava, ia-os marcando com umas borrifadelas para não me enganar na contagem – Creio que aquele trabalho, era mais uma forma de me humilhar e de me fazer desaparecer de que propriamente pela sua utilidade agrícola

Todos os dias, eu e o pobre do escravo, deparávamos com serpentes a levantarem-se ao nosso lado ou dependuradas nos ramos: como ele andava descalço e eu com galochas, um dia pisou uma dessas cobras pretas, picou-o e acabou por morrer ali mesmo: peguei no cavalo e fui ao hospital a buscar um antídoto, mas, quando voltei, já tinha morrido – Deparei com uma imagem impressionante: boca espumosa e a cor da pele passara de negro a um rosto contorcido e raiado de manchas violáceas
Roça Uba Budo 2014 -

Fiquei de tal maneira chocado e revoltado, que, nesse mesmo dia à noite abandonei a roça: fui a pé até S. João dos Angolares, onde dormi no mato, espicaçado por nuvens de mosquitos.

No dia seguinte, apanhei uma boleia para a cidade: e, como não tinha dinheiro, andei por lá a dormir no parque e a ter que me alimentar da fruta que ia colher no mato. Uns dias depois, fui à CM, que me arranjou um emprego de capataz dos jardins da cidade: Mas, como, quase todos os dias, passava por mim, um tal Aprígio Malveiro, secretário da Câmara, a chatear-me a cabeça, armado em roceiro, insinuando que eu também tinha pegar no machim e limpar as ervas, fui pedir emprego na Roça Rio do Ouro, onde fiquei até ir cumprir o serviço militar.



De seguida, algumas das linhas de um extenso e pormenorizado artigo que publiquei na revista angolana Semana Ilustrada, de que fui correspondente, desde 1970, a Março de 1975, mês em que fui forçado abandonar a Ilha de S. Tomé, em canoa, rumo à Nigéria, para me defender das agressivas perseguições de que estava sendo alvo por parte de alguns colonos por dar voz às manifestações pró-independência e a outras questões que a censura até então proibia, o que sucedeu com vários artigos meus. Mas este lá passou. Voltei ainda no mesmo ano, após a independência para tentar a travessia oceânica de canoa.,. Não realizaria esse sonho mas acabaria por conhecer uma dramática experiência de náufrago ao longo de 38 dias. https://canoasdomar.blogspot.com/2019/11/34-dia-perdido-no-golfo-da-guine-nao.html
CUSTO DE VIDA

(….) A roupa, o calçado, o sabão, é um subir que nunca mais acaba!
Ah! E o pão? O pão nosso de cada-dia? Para o dobro!
(...) Num destes , dias ,encontramo-nos com certa dona de casa ,no mercado Municipal. A título de curiosidade, perguntamos-lhe que espécie de géneros ia comprar. ( pagar). Começou por nos dizer, antes de mais, que era mãe de cinco filhos. E estava a adquirir condimentos para preparar um calúlú, o prato típico da terra ,para o almoço do seu marido e dos seus cinco filhos. E já que nos falou do seu marido, quisemos também saber qual a profissão e quanto ganhava.

Referiu que trabalha na Roça e ganha 28$00 diários. Em seguida, e antes de entrarmos no assunto que nos tinha levado a interpelá-la, pretendemos igualmente nos dissesse qua era a sua ocupação. Se fazia mais alguma coisa além das lides domésticas.

A esta pergunta, acrescentou que apenas cuidava dos filhos, pois eram ainda menores, andavam todos na escola, e, fora isso, tratava ainda de um pouco de criação. De uns leitãozitos, uns tantos bicos de galinhas, e de uma cabra, que criava lá no seu quintal. Criação essa, que, em seu ver lhe dá bastante jeito para fazer face aos seus gastos domésticos.

Depois falou-nos então, perto de uma banca que ali se encontrava, com os géneros expostos, dos que iria comprar para fazer o dito calúlú para o almoço do seu marido e dos seus filhos.

Para isso, segundo nos disse, precisaria de adquirir: 4$00 de kiábos,1$00 de beringelas, 1/2 kg de couve, que estava a 15$00 o kg, 2$00 de makaké, $50 de piripiri,1/2 kg de tomate, na altura 18$00, meio litro de óleo de palma pelo que ia dar 3$00,e no mercado do peixe que teria de comprar pelo menos 1,5k,que lhe custaria cerca de 25$00. Depois destas compras que teria ainda de passar pela loja a fim de ir comprar o arroz, pelo menos também cerca de 1,5kg, do trinca, que lhe ficaria a 7$00 o kg.

Depois passaria pela padaria, onde, como eram sete ao todo lá em casa, gastaria mais 7$00,pois o pão agora está a 1$00 cada um. Quanto à fruta, que teria de levar umas 7 ou 8 bananas, para sobremesa, de que não poderia prescindir, e lhe custariam 2$50

Finalmente, que teria apenas de pensar no frango ou galinha para confecionar o calúlú, mas de que ,apesar de estar a 35$00 o kg, não teria problemas pois de boa criação felizmente tinha lá no seu quintal.
Eis, pois, a traços largos os géneros e o custo por que viria a ficar um dos pratos a uma das muitas atarefadas e preocupadas donas de casa, á no burgo, para uma refeição do seu agregado familiar num vulgar dia da semana.

CONTINUAM A AUMENTAR AS COTAÇÕES DO CACAU, COPRA E COCONOTE

Segundo as ultimas informações que nos foram prestadas, os principais produtos agrícolas de S. Tomé — cacau, copra e coconote — continuam a aumentar de cotações no' mercado internacional, onde atingem números até agora nunca alcançados,
Em contrapartida (até perece um paradoxo) a principal mão-de-obra, pelo menos a mais apreciada até a data, continua a registar acentuada sangria para o exterior, como consequente reflexo de uma menor produtividade e aproveitamento das explorações agrícolas.

Um dos motivos da retirada dos trabalhadores rurais para outras parcelas' do território nacional, nomeadamente para a Metrópole, é, como se sabe, o da procura de uma melhor compensação salarial, e de outras regalias que os 28$00 que aqui lhes pagam não chega a satisfazer.

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