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terça-feira, 7 de fevereiro de 2023

São Tomé e o Quartel Militar do Morro - Que eu revolucionei com belos jardins e produtiva exploração agropecuária, com soldados portugueses e são-tomenses, em ambiente pacifico e de calorosa convivência - Agora, cenário de alegado assalto civil, que muito tem dado que falar


Jorge Trabulo Marques - Jornalista e antigo militar em S. Tomé  e Príncipe.


Cumpri ali parte do meu serviço militar, depois de um ano em Angola - Seis meses no curso de sargentos milicianos, na então Nova Lisboa e seis meses no curso de Comandos, em Luanda - Dei duas recrutas, fui responsável da messe de oficiais e da agropecuária. Em escassos seis meses logrei abastecer o quartel de hortaliças, bananas, papaias, ananases, ovos, frangos e galinhas.

Os pés de ananaseiros vindos da pequena, mas exemplar roça de S. Vicente, na Trindade, do Eng Salustino da Graça do Espírito Santo, onde, numa das vezes, encontrei ali o Dr. Mário Soares, dadas as boas relações que mantinha com aquela família, também perseguida pela PIDE - Tendo recebido um louvor, que pode ser lido numa das imagens que mostro - Até por também ter sido responsável da Messe de Oficiais.


Podia ter seguido a carreira de oficiais, em Angola, visto ter sido classificado em 2º na especialidade armas pesadas e, no geral, nos 700 instruendos do curso,  em 5º mas implicava ter de continuar em Angola e eu queria voltar a S. Tomé, onde tinha chegado aos 18 anos para um estágio de Técnico Agrícola da Escola Agricola, Conde S. Bento, em Santo Tirso. A experiência na roça fora demasiado dura mas eu  apaixonara-me por esta maravilhosa ilha e pelo seu pacífico povo.  

Nesta imagem ia  nascer um extenso campo de bananeiras, além de outras plantações 

Este o aspeto do quartel e área adjacente, em 1967

UMA VERDADEIRA REVOLUÇÃO AGRICOLA DIRIGIDA POR MIM- Que, de algum modo, ainda hoje se mantém. – Não com a mesma extensão, mas bem melhor que nas roças 

Esta imagem é a seguinte, são  2023 - Uma parte foi aproveitada para campo de treino militar  e, segundo informção que  entretanto recebi de pessoa amiga,  há uma  outra parcela  que continua a ser aproveitada horticulamente - Ainda bem

 

O QUE FAZEM AS SENTINELAS NUM QUARTEL? Permitirem a entrada de quatro civis desarmados pelo portão principal? Cumprindo o seu dever, impediriam imediatamente a entrada a qualquer estranho, então, sobretudo vestidos à civil - Não se viram corpos crivados de balas mas 4 corpos algemados e torturados.

Sim, no passado dia 25 de Novembro e pela primeira vez, aquele antigo quartel colonial, foi cenário de um alegado golpe militar, que provocou 4 vítimas civis, brutalmente espancadas, tal como vieram a testemunhar as imagens, posteriormente divulgadas, cujas sevícias têm causado uma grande inquietação e perturbação no seio de uma população tradicionalmente ordeira e pacifica

Confesso, que continuo também muito apreensivo, visto, até ao momento, ainda não haver uma clareza judicial de tão lamentáveis factos - Ou será que, o punhado dos ditos 4 civis que alegadamente assaltaram o quartel, estariam assim tão organizados e equipados para que se tratasse de um tão intrincado caso, difícil de desmontar? -Todo isto me soa a estranho...

"Mas o que é que se passa em São Tomé e Príncipe? É uma normalização da barbárie? - Esta a interrogação deixada na tarde do último sábado, em Lisboa, por um grupo de são-tomenses , apelando “não apenas ao esclarecimento” dos factos por parte das “instituições são-tomenses”, mas também à “justiça”

Fui Furriel Miliciano, em 1966/67, no mesmo quartel, que se diz agora assaltado, depois  ter frequentado o curso de sargentos em  angola, bem como o curso de comandos 

 Além de ter dado instrução na companhia de soldados santomenses (companhia de caçadores) onde estava incorporado, fui encarregado dos jardins e da agropecuária e da messe de oficiais e dos sargentos, oportunidade com a qual pude apresentar o meu relatório do final do meu curso em Santo Tirso, que me levaria a S. Tomé a fazer o meu estágio, que não pude fazer nas roças, como empregado de mato por não concordar com os tratos infligidos aos seus trabalhadores..

Como responsável da cantina dos oficiais, fosse fardado ou à civil - Na foto esquerda.  de luto pela morte da minha mãe, que deixei aos 18 anos quando parti para S. Tomé - Na foto do lado direito, eu e os meus soldados que trabalhavam na messe de oficiais, que almoçavam depois de fazerem o serviço das mesas e da cozinha.


Sim, fui militar no “ultramar português”, no período colonial, um ano em Angola, 1966-67, seis meses na Escola de Aplicação Militar, na ex-Nova Lisboa, Huambo, seis meses no 6º curso de Comandos, em Luanda, e o resto do serviço militar, mais um ano, na Companhia de Caçadores de S. Tomé e Príncipe: o período mais complicado do meu serviço militar poderia ter sido em Angola, mas felizmente que, tendo pedido a minha transferência para S. Tomé, donde, aliás, havia partido, e, tendo esta me sido concedida, acabei por fazer um serviço militar em beleza: participei na preparação de duas recrutas, na chamada Companhia de Caçadores do CTISTP; com soldados maioritariamente santomenses, que, mais de cinquenta anos depois, ainda hoje se lembram do furriel miliciano que os mandava perfilar, e, no final de uma aplicada instrução, lhes dizia: GM é linda?!” (ginástica de aplicação Militar) A que eles respondiam: "Sim! É linda!!!"

Por isso mesmo, não tenho problemas de consciência por ter prestado serviço no período colonial  - Lamento é não ter sido autorizado a ver a a minha mãe  para lhe ir dar o meu último adeus e não fui autorizado, a pretexto de fazer falta na instrução militar – É sentimento de dor e de angustia, misturado de frustração, que jamais esquecerei

São Tomé – Roça Uba Budo –51 anos depois de empregado de mato  Pormenores em https://canoasdomar.blogspot.com/2018/09/sao-tome-e-as-antigas-rocas-as.html

De facto, não guardo da roça, as melhores recordações senão o facto de ter apenas 18 anos, ser um jovem  e da surpreendente beleza daquela paisagem, que todos os dias se me revelava, pese a humilhação a que era submetido desde a alvorada  até ao escurecer -  Pois não posso esquecer-me de como era difícil e dura a  vida na roça, tanto para os empregados de mato como para os trabalhadores - E foi esta a categoria que me foi dada, pelo Administrador da Roça Uba-Budo, quando fui para ali estagiar - Pois ele tinha que humilhar também quem tivesse mais habilitações académicas que ele, que nem sequer a instrução primária possuía, mas era assim que se ascendia na roça - quanto mais duros se fosse mais possibilidades, os brancos tinham de serem promovidos, tendo-me obrigado  a tratar por tu todos os trabalhadores, alegando que tinha de ser assim para eles trabalhar, que não se lhe podia dar confiança: 

Cabo-Verdianos na roça em S. Tomé – Vieram no tempo do chicote

Como não aceitei mandou-me de castigo para a roça Ribeira Peixe, para uma zona da cobra preta a contar cacaueiro abandonados; a dada altura, o trabalhador cabo-verdiano, que me acompanhava com uma cadeirinha de cal diluída em água para marcar os que iam sendo contados,  foi picado e morreu ali aos meus pés. Abandonei a roça nesse dia. 

Os nativos não iam além de capatazes e, geralmente, o trabalho que lhes era destinado era o da capinagem.. - Até os brancos tinham todos de começar de empregado de mato - Foi a categoria que me deram e o  ambiente colonial que eu fui encontrar em S. Tomé. Pagavam mal e trabalhava-se de sol a sol. . Só se tinha direito a férias de quatro em quatro anos.No mato, o trabalho era todo de empreitada aos serviçais. Estes podiam regressar às sanzalas - angolanos, moçambicanos e cabo-verdeanos - ,  concluídas as tarefas e  depois de apanharem umas quantas ratazanas (principal praga do cacau) mas o empregado do mato continuava até ao fim do dia de machim na mão.. Apanhava-se a chuva no corpo, que acabava também por secar com a roupa, sem se mudar. Não se andava de guarda-chuva. Quanto muito, cortava-se uma folha de bananeira. 

 Por força dessa inadaptação, acabei por ser uma espécie de  homem dos sete ofícios: empregado de mato nas roças; apicultor de abelhas africanas  na B.F.AP  - Pouco maiores que as varejas mas extremamente agressivas, assassinas, pois, se perturbadas, são capazes de perseguir uma pessoa centenas de metros! Levei milhares de picadas quando ia tirar os enxames nos buracos dos coqueiros e de outras árvores: pretendia-se colonizar a abelha selvagem para colocar colmeais nos palmares, unicamente para aumentar  a polinização, que é cruzada, visto produzirem pouco mel - É bom mas, como têm flora todo o ano, armazenam escassos favos, apenas o indispensável. - Mas não havia máscara que me valesse. Se houvesse patos ou galinhas por perto, atacavam-lhe a cabeça e não escapavam - Clike e veja:  Por que as abelhas africanas são tão perigosas? - 

O DIA EM QUE ESTIVE LADO A LADO COM MÁRIO SOARES E SEU FILHO JOÃO

Fui ainda polinizador de baunilha, de cacau e palmeiras (BFAP);  inquiridor da FAO, através da Missão de Inquérito Agrícola,  nas pequenas parcelas dos "forros" - Deu para ver até onde chegava a usurpação das suas terras: com os roceiros a expandirem as balizas do pau sabão até as fazerem desaparecer - E também o estado em que estavam - Sem qualquer apoio técnico governamental, muitas delas, cheias de capim, mas também quase não valia a pena serem tratadas, dadas as reduzidas dimensões, autênticos quintais  - salvo a do Agrónomo Salustino da Graça do Espírito Santo  , um modelo de  exploração da cultura do ananás - Foi aí, que, numa manhã ridente de sol equatorial, na altura em que ali me dirigira  na qualidade de sargento da messe de oficiais e Agro-Pecuária, encontrei Mário Soares e o seu filho João Soares, então jovem moço, ambos em ameno e agradável convívio com o mais ilustre santomense,  talvez o mais perseguido e torturado pela PIDE - 

Fui também aprendiz de curandeiro quando fiz a viagem de canoa ao Príncipe, foram eles que vieram ter comigo, tendo havido reciprocidade de experiências. Além disso, ainda vedor, arte que aprendi com o nosso Prof.  Eng. Malheiros - capataz dos jardins da cidade - CMSTP; operador de rádio (ERSTP) fotógrafo e jornalista; alpinista e navegador solitário  


FUI TAMBÉM UMA ESPÉCIE DE FERNANDO CAPELO GAIVOTA

Parti de S. Tomé, tal como cheguei: sem um tostão nos bolsos. Mas com uma experiência humana e espiritual, que não troco por dinheiro algum.

Nas restantes colónias, o negro ainda tinha a possibilidade de se defender - Se o patrão o chateasse, tinha para onde ir. Mas, em S. Tomé, cada roça era um feudo, uma colónia prisional, com hospital e a sua justiça. 

Claro que não poderei generalizar, visto cada roça agir de acordo com a mentalidade de quem estivesse à frente das administrações.  

Senti-me de tal maneira inadaptado na roça, que,  só na Tropa, ao encarregarem-me da Agropecuária do quartel, pude aproveitar para elaborar um relatório  e concluir o meu estágio - Fui substituir um sargento pedófilo, que fazia da quinta do quartel o lugar para devorar os cabacinhos de meninas. 

Todavia, para meu desencanto, quando aqui regressei 39 anos depois, constatei que as condições da vida nas roças,  enfermavam de muitas carências -  A vida decorria livremente e calmamente, mas, grande parte das suas instalações,  senzalas, creches, hospitais,  estavam muito degradadas,. 

CLARO QUE A LIBERDADE É O BEM MAIS PRECIOSO DO SER HUMANO  - E deseja-se que esta conquista jamais seja amordaçada em STP - Seja a que pretexto for

Nas comemorações de 12 de Julho de 2015 - Estas eram algumas das palavras do Presidente Manuel Pinto da Costa - - "O mundo mudou e São Tomé e Príncipe soube acompanhar essa mudança e ser pioneiro em África na transição pacífica e tranquila do monopartidarismo"-

"Há 40 anos começámos a percorrer o caminho que nos trouxe até à actualidade. Ao país que temos e ao país que queremos ter. O que somos e o queremos ser.

Não foi um caminho fácil nem isento de erros mas é preciso sublinhar hoje que partimos praticamente do zero com um legado colonial cujas consequências negativas perduraram durante muitos anos.

Herdámos terras e explorações agrícolas, base da nossa economia, abandonada. Uma a administração pública desmantelada. Um país sem quadros formados, sem recursos financeiros. Tivemos de construir um Estado a partir do nada.

Muita coisa mudou entretanto. O mundo mudou e São Tomé e Príncipe soube acompanhar essa mudança e ser pioneiro em África na transição pacífica e tranquila do monopartidarismo para a democracia multipartidária.

Tivemos 15 anos de regime de partido único. Fizemos a mudança para a democracia pluralista há 25 anos.


Este é um percurso que nos deve orgulhar. É um património da nossa história que devemos valorizar.

Não podemos continuar a viver de saudosismos. Nem de um passado que já não volta nem daquilo que poderíamos ter feito e não fizemos.

Não podemos fazer da nossa história um alibi permanente para a situação em que o país se encontra nem justificação para que São Tomé e Príncipe  não arranque em direcção ao progresso.


Temos de ser capazes de assumir os erros cometidos com humildade porque todos os cometeram e a, partir daí, ultrapassar o passado, encarar com realismo o presente e construir, com esperança, o futuro.

“O nosso maior sucesso foi termos adquirido uma identidade, podermos ter as nossas próprias opções e até cometer os nossos próprios erros”…
É na nossa identidade, que começámos a reconstruir nas quatro décadas que levamos de independência que reside a chave para o sucesso de São Tomé e Príncipe, recusando a nacionalização do pessimismo, da crítica destrutiva, do desânimo, da inércia e do isolamento insular que nos empurra constantemente para nós próprios. Pormenores e videos em http://canoasdomar.blogspot.com/2015/07/sao-tome-e-principe-ha-40-anos-nasceu.html



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