Diário de Bordo - Faz hoje dez
dias que me encontro a navegar numa canoa à deriva. Ontem, tal como previra de
tarde, surgiu a chuva veio o vento! Isto ou alterna com chuva ou vento!
Quando chove,
o mar acalma um pouco. acaba de chover, começa a fazer grande ventania e o mar
fica agitadíssimo! Ontem, realmente, estava bastante bravo e ameaçava a cada
instante cavalgar a minha canoa. A noite
esteve mais ou menos normal. O vento ainda se fez sentir mas não choveu!
Esta manhã, no mar há uma certa calema. As
nuvens rodeiam o horizonte... É provável que para o fim da
tarde haja me vento ou chuva.
Nao sei,...Farto-me de olhar, a todo o instante, a todo o horizonte a leste, a ver se vislumbro terral…. Mas só vejo mar!
Ontem, ao fim
da tarde, vi um barco! Passou relativamente próximo de mim. A principio
pensei fazer-lhe qualquer sinal para me contactarem, para acabar com esta
viagem, mas hesitei...Hesitei, porque pensei que, se eles
estivessem dispostos que o fizessem.
Portanto,
hesitei mas não sei porquê... ate porque eu já não estou a fazer
viagem nenhuma. Sou um náufrago autêntico! Na medida em que não
tenho as condições mínimas para navegar; não controlo a canoa; ela vai a
mercê dos ventos e das correntes. O que me irrita bastante, porque tem
estado um vento muito bom para velejar. Mas não sei porque diabo!...Há alturas
em que até me mete raiva não poder pôr umas velas, um leme e navegar!
Se
tivesse isso já lá estava há muito tempo... Pois acabei por não
fazer qualquer sinal ao barco. Depois, quando já estava longe, é que então
comecei fazer-lhe sinais.
Confesso que
fiquei arrependido e ate me insultei a mim próprio...E então perguntei-me
porque é que não fiz nenhum sinal ao barco?...Claro que fiquei em
silêncio, porque, ao mesmo tempo havia em mim um misto de
orgulho!...Pois, por um lado, desejava ser socorrido, mas, por outro,
custava-me ser apanhado no alto mar... Quer dizer, eu gostaria de chegar
a terra, a uma praia, seja ela qual for...Ora, se fosse apanhado por um
barco, era para era uma demonstração de fraqueza...
De
qualquer maneira, não sei, efetivamente, o tempo que ainda irei demorar...E,
como não posso por a vela, não posso navegar, tenho que me sujeitar as contingências do mar
,não é?!... Portanto, estou numa situação que não é muito agradável.
E talvez pudesse ser melhor, se o tal barco me tivesse socorrido. Mas isso não acontecera; não sei se por culpa minha, que não me esforcei por lhe fazer qualquer sinal, se pelo facto de não ter sido visto ninguém a bordo. O mais certo terá sido pelo facto de a canoa não ter acusado o menor sinal nos instrumentos de bordo. - Excerto do diário gravado num gravador que pude preservar num vugar caixote do lixo
10ºDia
– 30-10-1975 perdido numa piroga -À deriva noite e dia!
Lado a lado com o abismo marítimo da morte!
Em noite de cinza escuríssima!
Mesmo assim, sereníssimo! Lutando e nunca desesperando
ou perdendo a fé e a confiança!- Embora esperando
a todo o instante, estar mais próximo
de ser engolido pelo manto da morte
de que ser salvo por mão salvadora
ou mão corajosa, oportuna e amiga!
Longe da Terra, das suas vistas e de toda a gente! -
De todo entregue às minhas preces e ao meu silêncio!
Oh infinita noite escura! Que toldas meus olhos cansados
Sozinho, Isolado e aprisionado do Mundo!
Vogando à superfície deste ondulante manto sem fundo!
Mas, também. verdadeiramente livre de espírito e de pensamento!
Não tenho de cumprir horários ou dar satisfações a mais ninguém!
Vou sendo levado ao sabor do vento! Dele inteiramente dependo!
Sem rumo e sem destino! - Flutuando e cambaleando,
como ave marinha solitária que esvoaça, furtivamente
de vez em quando, riscando a solidão destes espaços!
A tempestade roubou-me o remo, deixou-me à deriva
Ás vezes navego com o remo improvisado
mas quando o mar fica encrespado,
lá volto eu novamente a ser arrastado!
Vogando para os mais diversos quadrantes!
Vogando em constante frágil tronco escavado!
Neste esquife pronto a voltar-me e a sepultar-me!
De todo encaixado neste madeiro de árvore de ocá!
Em pulsões latejantes nesta balouçante e alada casca!
Que vagueia ao sabor das correntes e dos ventos!
Que me aprisiona movimentos e mos faz subjugar!
Arrastado pelos seus caprichos, sem me poder agarrar a nada!
Umas vezes ameaçador e terrível! Sulcado de grossas vagas!
Ou em tumultuosa e escuríssima noite! Fantasmagórico mar!
Outras vezes mais humorado! Em tranquila calmaria presenteado!
Quando brisas leves mais parecem aquietar-me de que sufocar-me!
Mas, óh Deus infinito, poderoso e misterioso! Meu santo guardião!
Agora, quão densa e escura me é oferecida por esta noturna visão!
Para onde quer que me volte. só vejo água escura!
Só descubro formas de sombras! Negra escuridão!
Vogando à superfície deste líquido manto escuríssimo
Encoberto por uma imensa abóbada infinita!
semeada de grãos de fogo dispersos,
toldada por muralhas de trevas!
Que ao invés de me tranquilizarem,
mais assolam, me oprimem o coração!
Oh Infinita Noite! O Deus misericordioso e omnipresente!
Tende piedade de todos quantos, nestas horas graves e incertas
Se lembram de Vos pedir auxilio e proteção!!
Seja em cântico ou palavras vertidas de lágrimas e oração!
De seguida um dos coros que entoei naquela longa noite escura e que constam do
meu diário gravado, que pude preservar no interior de um vulgar caixote do lixo
- Contentor de plástico
Oh noite plácida!
Avança a Medo!
Como em Segredo!
Por sobre o Mar! !
Eu nesta hora!
Tão doce e Clama!
Sinto a minha alma!
Voar Voar!