Oh Deus Mesercodioso!... Onde Irei à deriva numa noite assim?!...
Sozinho deitado no fundo de um mísero tronco escavado!
Perdido à flor do mar em plena Noite Escura
Aqui vou sozinho e mudo
Esperando o instante que passa
Alheio a nada, desconfiando de tudo
Puro, como a sombra que esvoaça.
Mas serei eu porventura assim
que por esta noite escura vou indo
Indo comigo e fora de mim
Preso a um desejo, sentindo?!...
É muito difícil a resposta
Impossível talvez responder
Sei que a tristeza me bateu à porta
Sei donde venho, é o que posso dizer
Não sei todavia onde estou
Não sei tão pouco a que venho
Não sei tão pouco onde vou..
Sim, a sós, comigo e com a minha intimidade,
aqui vogo, voz emudecida, flutuando à deriva e à solta,
acima e abaixo de alterosos montes e sulcos
De negras e altas montanhas líquidas,
que, cavalgando ao meu encontro,
ora se erguem, abruptamente,
ora parece que nelas me envolvo e afundo.
Porém, sempre de fronte pura e aberta
à negra imensidão do infinito!
Às sucessivas rabanadas
do agreste uivo do vento,
aos seus golpes duros!
Arrastado pela sua fugidia
e perturbadora fúria, que ecoa espaço a fora!
Vogando em mar deserto, de mil remoinhos,
de fervente espuma escura!
Imerso nas vestes da imensa solidão noturna, perdido e esquecido
De todo mundo e, porventura, até dos escuros e turvados Céus.
E certamente que também da misericórdia ou piedade de Deus .
Nenhum sinal de vida. Ninguém. Vivalma – Só as escuras vagas!
E atrás das vagas, outras e outras ainda!
Alterosos vultos que não cessam de se erguer e levantar,
vindos não sei donde!
Sonâmbulo abandono o meu!...
Errante e estranha vida a minha!
Para onde serei levado neste miserável esquife,
em noite assim?!...
Para onde me arrastará a minha canoa
nesta louca e incerta deriva?!...
Fantasmagórico e vertiginoso carrossel,
que o vento leva à sua frente, bramindo e uivante,
soando na mesma sinfonia das invisíveis correntes.
Dos vultos sombrios das medonhas e alterosas vagas,
que tumultuam em torno de mim,
vindas de todos os cantos do enegrecido horizonte,
sem todavia saber para onde vão,
sem lhe distinguir direção alguma.
Oh, escura é a noite!
E também escuros são os caminhos à minha volta!
Múltiplos os caminhos que se abrem
para onde quer que me volte!
E, por certo, também escuros os caminhos
que me conduzirão a Deus…
Sim, vou indo, indo arrastado, c
om um medo que ainda não sei vencer.
Mas cá vou indo, porque, enquanto vou vogando assim,
é sinal que vivo.
Indo, sim, com o soar do mar,
com o mar que soa, com o mar que brame,
Com o mar que voa! À flor do mar!
– Qual cavaleiro errante, sentado
No fundo de tosco e frágil madeiro,
sonhando acordado, errando
à superfície deste escuríssimo
e ondulante manto, vasto mar!
Porém, em torno de mim, brame e crepita a densa escura treva!
Avança em turbilhões de fumo e vertigem o tumulto da vaga!
Só as escuríssimas ondas, e, atrás delas, outras ondas mais ainda!
Ao mesmo tempo que nos ares se enrola
e desvanece a baça névoa!
Erguem-se e perpassam à minha volta,
fugazes rolos de inúmeros trapos!
Que se fundem e refundem,
num duelo incessante, desvairado torvelinho!
Enquanto meus olhos, mergulhados de afronta,
pasmo, medo e mistério,
me provocam mil interrogações!
Se alucinam de díspares e mil perguntas!
Varrem e escrutinam, todos os confins
do convulsivo e misterioso oceano!
Perdidos na superfície da ondulante massa escura, imensa sepultura aberta!
Sim, a sós, comigo e com a minha intimidade,
aqui vogo, voz emudecida
flutuando à deriva e à solta,
acima e abaixo de alterosos montes e sulcos
De negras e altas montanhas líquidas,
que, cavalgando ao meu encontro,
Ora se erguem, abruptamente,
ora parece que nelas me envolvo e afundo.
Porém, sempre de fronte pura e aberta
à negra imensidão do infinito!
Às sucessivas rabanadas do agreste uivo do vento,
aos seus golpes duros!
Arrastado pela sua fugidia e perturbadora fúria,
que ecoa espaço a fora!
Vogando em mar deserto, de mil remoinhos,
de fervente espuma escura!
Imerso nas vestes da imensa solidão noturna, perdido e esquecido
De todo mundo e, porventura, até dos escuros e turvados Céus.
E certamente que também da misericórdia ou piedade de Deus .
Jorge Trabulo Marques – Por mares do Golfo da Guiné
Foram 38 longos dias, uma parte dos quais sem mantimentos, bebendo água do mar e das chuvas, valendo-me unicamente dos recursos do mar, enfrentando tempestades, sucessivas e frequentes ataques de tubarões. Ainda cheguei apanhar alguns de pequeno porte enquanto tive anzóis. Mas, até isso, me haveria de faltar. Acabei por ser arrastado pelas correntes até à Ilha de Bioko (antiga Ilha de Fernando Pó), já no limiar da minha resistência física, onde fui tomado por espião, algemado e preso, numa cela de alta segurança, a mando do então Presidente Macias Nguema, após o que fui repatriado para Portugal, tal como já me havia acontecido na Nigéria.
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