"Estou a beber água do mar. Sinto-me um bocado fraco...Vou suportando, com um bocado de paciência até ver... Já estive à pesca mas não pesquei nada..."
Algures no Golfo da Guiné, 15 de Novembro de 1975 - Há 49 anos - 26 dias a sobreviver no mar dos tornados, das calmarias e dos tubarões - Mas ainda tinha pela frente mais 12 dias até aportar à antiga Ilha de Fernando pó, atual Biko -
Jorge Trabulo Marques - Jornalista, investigador e navegador solitário
Sem água potável e sem comida!...
Às desoras da noite eu ouvia
a voz do vento a chamar-me e sem cessar!...
Sem cessar!... E a mandar-me esperar!... Esperar!?...
Naquele turbulento, ondulante e fundo mar!...
Sozinho no seio das trevas mais fundas !
Sob o espesso teto de errabundas névoas!...
À flor das vagas, do abismo negro sem fundo!
A coberto dos infinitos e escuríssimos céus!...
Abandonado e esquecido de todo o Mundo
menos sem a Luz da Fé e da Esperança de Deus.
Ó MISERICORDIOSO CRISTO! - OH O DOCE E CRUEL TORMENTO!
MEU CORPO MORTAL ENCAIXADO NUM EXÍGUO ESPAÇO E COM A SEPULTURA SEMPRE AO MEU LADO
MEU CORPO MORTAL ENCAIXADO NUM EXÍGUO ESPAÇO E COM A SEPULTURA SEMPRE AO MEU LADO
Sê Integro, pacifico e verdadeiro – Mas não conivente com as injustiças … E, se não puderes seguir o exemplo e os passos daquele que se deixou matar em nome da sua palavra, ao menos constrói o teu altar em lugar abençoado e escolhido por ti – Sê paciente mas não resignado e não te importes de levar com persistente tenacidade a cruz que terás de levar até ao fim da tua vida. Pois este mundo é apenas uma mera passagem veloz e fugaz
PERDIDO NO MAR - Não tenho água potável... e, todavia, tanta água à minha volta!...Tanto espaço, tanta liberdade e tanto azul a inundar-me os olhos!...Tanta coisa em excesso e tanta coisa em falta!... – Que suplício!... Que tormento mais duro, meu Deus!... Até quando?!....
A pouca água do mar
que bebo aos golinhos de vez em quando,
em vez de matar-me a sede,
ainda mais agrava o meu mal-estar
e torna muito penosa, demasiado penosa,
talvez mesmo impossível, a minha sobrevivência!...
Mesmo assim, não me sinto desanimado!...
E vou lutando com os precários meios que disponho
e conforme posso... Mas já não chove há uns dias!...
que bebo aos golinhos de vez em quando,
em vez de matar-me a sede,
ainda mais agrava o meu mal-estar
e torna muito penosa, demasiado penosa,
talvez mesmo impossível, a minha sobrevivência!...
Mesmo assim, não me sinto desanimado!...
E vou lutando com os precários meios que disponho
e conforme posso... Mas já não chove há uns dias!...
uma lasquinha de madeira como um chiclete!...
Arranquei-a da borda da canoa...
Tinha a garganta tão queimada e a boca
já tão ressequida e os meus lábios tão secos,
que a sede se me tornava já um suplício insuportável!...
E, com o sol tão intenso, até parecia que o desespero
começava a tomar conta de mim!...
Com a sua frescura, consegui aliviar
um pouco o meu tormento!...- Mas é cruel!
É terrível a sede!... – E nenhuma nuvem no céu!!..
Até este ar quente já me sufoca!...
Tenho que voltar a beber mais uns golinhos de água do mar...
A ver se aguento...
Oxalá venha uma grande chuvada!...
Mas geralmente surge quando menos se deseja
e quase sempre antecedida de fortes ventanias
e agitação das águas!... – É assim o tempo
nesta região do oceano!... – Podres calmarias...
que até parecem eternidades por tão prolongadas e mortas!...
Logo seguidas de grandes tempestades que, de tão rápidas
e enfurecidas, parecem destruir tudo à sua à sua passagem....
Mas geralmente surge quando menos se deseja
e quase sempre antecedida de fortes ventanias
e agitação das águas!... – É assim o tempo
nesta região do oceano!... – Podres calmarias...
que até parecem eternidades por tão prolongadas e mortas!...
Logo seguidas de grandes tempestades que, de tão rápidas
e enfurecidas, parecem destruir tudo à sua à sua passagem....
Não tenho água potável... e, todavia, tanta água à minha volta!...
Tanto espaço, tanta liberdade e tanto azul a inundar-me os olhos!...
Tanta coisa em excesso e tanta coisa em falta!... – Que suplício!...
Que tormento mais duro, meu Deus!... Até quando?!.
Excerto do poema SÓ A VOZ DO MAR..
Tanto espaço, tanta liberdade e tanto azul a inundar-me os olhos!...
Tanta coisa em excesso e tanta coisa em falta!... – Que suplício!...
Que tormento mais duro, meu Deus!... Até quando?!.
Excerto do poema SÓ A VOZ DO MAR..
Peregrino da Luz, da Terra e dos Mares- Esta foi mais tarde outra navegação nas penedias da minha aldeia
Algures no Golfo da Guiné, 15 de Novembro de 1975
Diário de Bordo -
Entretanto, vou ver se pesco mais qualquer coisa.... Não tenho outro recurso senão pescar. Quanto ao facto de beber água salgada, sinceramente, já há quatro dias que o faço e o estômago já não está lá muito bem!...Sinto dores de cabeça. Tenho assim umas certas perturbações... Efetivamente, pode beber-se água do mar mas durante um determinado período de tempo.
1 É manhã do 26ª dia que viajo numa canoa. Passei uma noite quase sempre acordado. Havia ameaças por todo o lado. Travejou mas na canoa não choveu. Eu precisava que chovesse.
Esta manhã ainda se apresenta bastante cinzenta, com nuvens espessas no horizonte. O mar muito cavado, com bastante carneirada! Muito agitado!...Continuo sem ver quaisquer contornos de terra...Não tenho comida e não tenho água senão do mar.
Diário de Bordo - 2 São 10 horas da manhã. O mar apresenta-se bastante azul mas muito cavado! Com vagas bastante fortes!... Está com aspeto bonito, as vagas muito azuis e brilhantes, mas está ao mesmo tempo perigoso, na medida em que provoca na minha canoa movimentos desencontrados... E, por vezes, chega a galgar o próprio interior da canoa.

Diário de Bordo Desde ontem que deixei de ver os tubarões, os meus fiéis companheiros, digamos, assim, tubarões martelo. E a verdade é que hoje já tive aqui a visita de um tubarão dos escuros!, que é o voraz que costuma atacar a canoa e que andou aqui às voltas. Um tubarão muito grande! Um tubarão gigante!...Realmente, não sei porque é que os outros deixaram de aparecer...Espero não vir a ter problemas com estes.
Não posso colocar qualquer vela neste momento, é demasiado perigoso!...É preferível deixar a canoa andar à deriva, apesar, de, enfim, ser muito arriscado...De qualquer maneira prefiro ir assim, até porque não tenho perfeito domínio da minha canoa, visto não ter leme e o remo principal.
Já choveu aqui na zona, próximo!...Aqui apenas chegaram umas pequenas gotículas... Trovejou mas nem sempre quando troveja chove em toda a parte do mar.... O mar está fortemente agitado!, devido às trovoadas que se desencadearam noutras partes...Noutros lugares.... Não consigo ver qualquer sinal de terra. Deixei completamente de ver a Ilha de Fernando Pó (Bioko)...Farto-me de mirar o horizonte para noroeste, mas não há qualquer sinal.
Não tenho comida. Água também não tenho. Estou a beber água do mar. Sinto-me um bocado fraco...Vou suportando, com um bocado de paciência até ver... Já estive à pesca mas não pesquei nada...Continuo aqui com o tubarão... Já ontem aproveitei um bocado dele mas hoje já tem um aspeto um bocado deteriorado...Vamos lá a ver...Vou conservá-lo de qualquer maneira. Pois, se não pescar outra coisa, vou aproveitá-lo...Fome é que não hei-de passar... Enfim, alguma hei-de passar mas guardo-o até ver....
A canoa continua a meter água da parte da carlinga...Não sei porquê... Continua a meter cada vez mais água; isso preocupa-me imenso, porque, realmente, não sei até que ponto se pode manter ou agravar.

Aliás, eu esta tarde coloquei um bocado a vela mas tive que a tirar porque era impossível continuar a velejar!... A canoa ameaçava virar-se a todo o momento.... Eu não tenho leme ( nem remo adequado) e tive que deixar-me andar de novo à deriva! À mercê das vagas e daquilo que elas quiserem fazer de mim.
Agora não desejo a chuva...Enfim, quero passar uma noite agradável... Está molinhando ainda mas isso há-de passar . Porque, o mar, aqui, quando vem uma trovoada, fica muito agitado, mas um bocado depois já está calmo...
Ainda não há qualquer vislumbre de vestígio de terra !... Mas... eu não devo estar longe, com certeza....Estou animado, sinto-me mais satisfeito!... Há bocado, estava um bocado aborrecido porque não tinha água!... Estava a beber água do mar, água salgada, claro. Também não tenho comida. A comida que disponho é só do tubarão (já estragado) mas lá me hei-de remediar...
Continuo a ver aqui debaixo da canoa, uma barracuda. As barracudas também são perigosas!.... (Barracuda).Os tais tubarões martelo, desopilaram; não sei para onde é que foram...Portanto, é tudo por agora.
Diário de Bordo - 5 Aliás, poderei dizer que a canoa está toda molhada, encharcada mas o que me continua a preocupar é a entrada da água pela carlinga (o buraco onde assenta o mastro), visto os pregos terem atingido o fundo. Portanto, a madeira foi apodrecendo e a água continua a entrar. Mas espero que aguente até chegar a terra
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