Por Jorge Trabulo Marques - Jornalista -
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Antiga Casa Beirão |
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Reunião da Associação Comercial e Industrial de STP - Principio da década 70 |

Falar da Casa Ayres
Beirão, em S. Tomé, é já uma lenda: é quase o mesmo que, associá-la ao famoso
Licor Beirão “O licor de Portugal». Que
marcou a história da publicidade em Portugal. O «Beirão de quem todos
gostam" – Cujos cartazes, colocados em grandes painéis, no alto das
colinas ou dos montes, chegaram a ser
proibidos pela Junta Autónoma das
Estradas, sob o pretexto que a publicidade distraía os condutores e causava
acidentes – Sim, esse ainda é hoje o licor mais conhecido e mais vendido, em
Portugal, e para o estrangeiro. Tudo
graças a esta simples expressão, recordada numa entrevista ao DN, por um dos
filhos, dita ao seu pai: “Houve um professor primário aqui na Lousã que lhe
disse: «Oh Carranca, não é o beirão de quem todos gostam, é o beirão de que
todos gostam, o "que" refere-se a coisas e o "quem"
refere-se a pessoas». E ele respondeu: «Mas é isso mesmo que eu quero, que se
refira a pessoas! Dn 27/01/2012- O dono do licor mais irreverente de Portugal
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Ayres Beirão |
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Um dos netos |
Ora
bem, aí está um
exemplo que podia perfeitamente ajustar-se à vida do lendário Ayres
Beirão – O comerciante mais popular do século XX em S. Tomé, no período
colonial - O português, natural de Freixeda do Torrão,
uma pequena aldeia do concelho de Figueira de Castelo Rodrigo,
que, ainda muito novo, havia de deixar com destino à Ilha de S. Tomé – Quando eu
cheguei, a esta ilha, em 1963, já ele ia entrado na idade, já então existia uma
casa, mesmo no centro da cidade, com o seu nome – E que ainda hoje é uma
referência no comércio local. Mesmo depois das várias vicissitudes, com que se
deparou, nos
anos seguintes pós a independência, tanto
ele como, depois, os filhos que tomaram o leme do “barco” na gerência e
atender os clientes por detrás ou à frente do comprido balcão de
madeira.
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Um dos filhos com a esposa |
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Casa Beirão |
Era o velho Beirão de quem toda
a gente simpatizava. Pai de sete filhos – e vários netos. Que todo o colono, não ignorava. E todo o santomense
conhecia – até porque também falava o seu dialeto.

O comerciante, altura mediana, que usava suspensórios, porque os suspensórios são sempre
mais confortáveis que o cinto e aos gordinhos os suspensórios ficam sempre
muito bem - Era das tais figuras, carismáticas,
afável mas ao mesmo tempo muito prático, de quem não gosta de perder tempo inutilmente
e conta os trocados até ao último centavo: quem falasse com ele, mesmo que uma só vez, jamais lhe esquecia
o andar, a expressão, a singular maneira de ser e de conviver.
Tinha sempre um sorriso para toda a gente, entre
o sério, perscrutador e o tolerante, mesmo
para os caloteiros, que não lhe pagassem a venda a fiado - Ele teria apreendido, certamente, na filosofia simples de uma família rural, que a vida é uma corrida
passageira, que se perdem mais energias, quando uma pessoa se zanga, de que pôr
a chatice ou contrariedade, de lado e
passar adiante. Que eu me
recorde, nunca o vi discutir com ninguém. No seu rosto, nunca desaparecia a afável
ironia ou a boa disposição.
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Dois dos filhos, com o neto ao centro |
Quando era correspondente
da Semana Ilustrada, de Luanda, e, nomeadamente, quando esta
revista dedicava alguma edição
especial às Ilhas, era costume, as principais lojas
comerciais ou empresas, colaborarem com anúncios das suas firmas, porém, ele
nunca aceitou dar um anúncio, com o pretexto de que a sua casa, não precisava
de publicidade: “ Não, não dou anúncio!... A minha casa, toda a gente a
conhece e sabe onde fica” – Via-se que nele ainda havia como que aquela herança
ancestral de que o dinheiro custa a ganhar ou talvez de quem aprendeu que a melhor lição da
vida, é a do trabalho, o qual, desde que
bem feito, promove-se a si mesmo.
Todos os seus filhos (mestiços) se destacaram na sociedade santomense ou optaram por ir para Portugal: desde o ensino à atividade empresarial.
– José Beirão, Alice Beirão, Aníbal
Beirão, Ricardina Beirão, Augusta Beirão, Margarida Beirão.
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Comerciantes na FIL - Em Lisboa |
O mesmo sucedendo aos netos – Todos eles não deslustram
a gênese patriarcal. – Um dos filhos, chegou a ser administrador da Ilha do Príncipe.
Mas não se pense, que, Ayres Beirão, era
um dos colonos subservientes do regime. Fazia a sua vidinha e via-se nele um grande
sentido de autoconfiança e independência – Ocupava-se com o negócio da sua casa e não queria saber de mais nada. Quando fosse
preciso representá-la, chamava um dos filhos, e foi justamente o que sucedeu,
por exemplo, numa digressão de comerciantes e industriais, à FIL, em Lisboa,
que aqui recordo numa das imagens

Na sua loja, que não era mercearia,
vendia-se um pouco de tudo – Desde os
panos mais garridos a linha a metro. Sim, porque, também na farmácia, ainda hoje
se vende comprimido a avulso. Há que estar preparado para satisfazer clientes
de todas as bolsas. Quando, agora ali voltei a S. Tomé, não quis deixar de dar
lá uma vista de olhos para ver se, além da fachada, cujo traço arquitetónico ainda
se mantém, pelo interior se passava a mesma coisa: - Não estava lá o antigo proprietário mas fui amavelmente recebido por dois
dos seus filhos e um neto
- E o que constatei, é que, de facto, para a Casa Ayres Beirão, não há concorrência que
lhe faça frente, isto porque, tal como nos anos em que foi comandada pelo “ velho
Beirão”, continua perfeitamente a adaptar-se
aos novos tempos. A ser uma referência na arte de bem vender e de bem servir os
seus clientes.
A
terminar, uma palavra
amiga e de parabéns aos filhos e netos, dessa inconfundível família, que
mantém viva a memória de quem lhe deu a razão de ser – E porque não
também um aceno de evocação àquela avozinha,
cujo retrato lá continuava na parede, de seu nome Maria Augusta
Carrapatoso, de Freixeda, mãe de Ayres Beirão.
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