
(imagem obtida algures no Golfo da Guiné - Nov. de 1975


UM MAPA DE SONHOS Á FLOR DO MAR
Elas são pontos de relevo num mapa de
sonhos.
E – também – roteiro dum teimoso repúdio
ao conformismo e à indiferença.
Tudo isto sem deixar de ser – em paralelo
– um testemunho das situações limite
em que um homem defronta os desafios da
Natureza com as hesitações da sua condição
aliadas apenas ao ânimo da sua vontade.
22.06.94.
A minha singela Homenagem aos bravos pescadores de S. Tomé – A quem
devo, em grande parte, estas minhas aventuras;
A Vós bravos homens do mar! - A vós heroicos
pescadores, testemunhos mártires de um
povo antigo,
raízes sofridas em pavorosos naufrágios,
sangue derramado e vertido,
na opressiva ocupação e domínio da vossa
maravilhosa terra,
a vós, meus irmãos dos mares! - A vós meus
amigos!
Eu me dirijo e vos saúdo, lídimos filhos
das águas,
pioneiros de um longínquo e histórico
passado,
legítimos herdeiros de uma ancestral
memória...
Viajantes hábeis, mestre e corajosos
marinheiros
vindos da Mãe-África, de lá
embarcados, de lá idos,
sulcando estranhas águas, enfrentando
violentos tornados
ou prolongadas e podres calmarias e sol
abrasivo,
velejando e remando, noites e dias
inteiros
navegando em mar aberto e desconhecido!
Aqui vos evoco: mares das epopeias
anónimas
e das muitas tragédias sem glória e sem
história!
De muito sofrimento, angústias, dores!
- Vós, mares do antanho e do presente,
sabeis, como ninguém, quantas vidas já
destroçastes
a esses humildes mas arrojados
pescadores!...
MARES DA MINHA VIDA...
A vós, lendários mares do sul, eu vos
saúdo
com todo amor e bondade do meu coração!
Eu vos bendigo em exaltação ao génio
Criador!
Eu vos evoco pelos momentos de rara
beleza e de imensa alegria,
e também de outros de não menor tristeza
e dor, por mim vividos,
durante dias e dias a fio, no meio da
vossa vastidão!
- Obrigado por haverdes compreendido a
minha temeridade.
a minha intenção!... Fui um homem de
sorte!... - Obrigado, também,
por, antes de mim, haverdes poupado
outras vidas às garras da morte!
Recordo e choro, às vezes, ainda o pesadelo,
a angústia sentida desses cruciais
instantes!...
Relembro-os e perscruto-os de olhar
triste e magoado,
como se estivesse ainda a ver as cristas
brancas
a ondularem ao largo, a levantarem-se do
fundo das sombras,
tão altas que até quase tocavam as
difusas estrelas,
e, subitamente, a estrondearem e a
desfazerem-se ao meu lado!
- E eu, pobre de mim, vagueando, nesse
horror alucinante!...
Rolando, rolando, pela noite adiante, só
e desamparado!
Errando, errando, na pequena piroga, sem
rumo e sem destino,
no meio do tumulto avassalador, no
centro rodopiante,
do turbilhão fervente e ameaçador! -
Transido
pela humidade! Ensopado como um trapo.
Mortificado
pela sede e esfomeado!… Um verdadeiro
farrapo!
Todavia, lutando, resistindo,
não resignado, não vencido!
(…)
Ó ondas lívidas e soluçantes! Ondas lúgubres
e agrestes dos trágicos naufrágios! -
Ainda hoje
aos meus ouvidos, vão ecoando, vão
soando, repercutindo,
os ecos de todos os estrondos, sílvios e
ruídos
da vossa portentosa orquestra! Ainda
agora ouço o ressoar
de todos esses sons! - No marulhar de
vós, distingo - ó impiedosa
negridão! -, por entre o rebentar e o
estertor dos vossos rugidos,
o imenso clamor dos gritos, os rumores
dos milhentos gemidos,
choros e súplicas, os ecos das imensas
vozes aflitas,
perdidas, já agonizantes, moribundas,
das pobres almas
que foram tragadas! - Sim, dos
inumeráveis desgraçados
que se perderam, que foram esquecidos,
abandonados,
no louco torvelinho das águas!
Ai de vós, ó pobres náufragos!
Ai de vós, desventurados! - Foi horrível
o vosso sofrimento - eu sei! Também experimentei
no corpo e no espírito o mesmo drama!
Porém, se estais em paz no outro mundo,
continuai em paz
no mesmo limbo! Esquecei o infortúnio
que cedo vos levou!
Não o choreis!... Ninguém mereceria as
vossas lágrimas!
- Naqueles momentos fatídicos, tudo
permaneceu impassível!
Ninguém se compadeceu com a vossa
aflição e vos estendeu a mão!
Lá do alto, um silêncio de morte, e em
redor,
o mundo a desabafar sobre vós, a
sepultar-vos!
Tudo vos abandonou e vos esqueceu!...
Jorge Trabulo Marques
O longo tormento de 38 dias

A canoa havia sido carregada, ao largo da Cidade São Tomé no pesqueiro americano Hornet, que ali
deixara um tripulante hospitalizado. Como os ventos e as correntes, são
dominantes do Sul para Norte, eu precisava de ser largado na corrente
equatorial, um pouco a Sul da Ilha de Ano Bom, que é onde a Corrente de
Benguela se divide: uma parte vem perder-se a Norte do Golfo e a outra deriva
em direção ao Equador para o coração do Atlântico, até voltar para sul, junto à
costa brasileira, num périplo que desce até quase ao Oceano Antártico,
confluindo depois para a costa africana.
O comandante, desse pesqueiro, comprometeu-se a largar-me naquela corrente, mas
faltou à palavra. Ou antes, fez tudo para que eu ficasse a bordo a trabalhar e
não me metesse nessa aventura - na travessia oceânica - visto achar demasiado
arriscada a minha ousadia, até porque, os dias de viagem até à ilha de Ano Bom,
haviam sido marcados por constantes tempestades tropicais. Especialmente ao fim
da tarde e à noite. Em que ninguém podia parar no convés: as vagas varriam-no
de proa à popa. E muitos tripulantes, tentavam dissuadir-me: "Fique
connosco!... Você vai morrer!... Fique connosco! A sua canoa não vai
resistir"
E, de facto, ninguém se atrevia a expor-se ao vento e à chuva. À fúria do mar. Eu olhava a escuridão, por detrás das escotilhas e fixava os olhos bem abertos na borbulhante e pálida espuma, ouvia o marulho das vagas a desfazerem-se contra o casco e galgarem-no!... Olhava e escutava pasmado a sua inaudita violência com alguma apreensão, mas estava determinado...

E, de facto, ninguém se atrevia a expor-se ao vento e à chuva. À fúria do mar. Eu olhava a escuridão, por detrás das escotilhas e fixava os olhos bem abertos na borbulhante e pálida espuma, ouvia o marulho das vagas a desfazerem-se contra o casco e galgarem-no!... Olhava e escutava pasmado a sua inaudita violência com alguma apreensão, mas estava determinado...
Nada deste mundo podia
demover-me!... Sentia-me ao mesmo atraído por uma espécie de resistível desafio
e tenebroso fascínio...Sentia que o palpitar do meu coração precisava de vibrar
ou se aquietar com a palpitação do mar. Os meus olhos só queriam espraiar-se e
deleitar-se com o imenso azul clarinho dos dos céus e o azul profundo da vasta
superfície oceânica.
VALE A PENA SACRIFICAR A VIDA POR UM IDEAL QUANDO SE TEM A CONVICÇÃO DE QUE O ESFORÇO É PLENAMENTE MERECIDO E JUSTIFICADO.
“Contar-te longamente as perigosas
Cousas do mar, que os homens não entendem,
Súbitas trovoadas temerosas,
Relâmpagos que o ar em fogo acedem,
Negros chuveiros, noites tenebrosas,
Bramidos de trovões que o mundo fendem,
Não menos é trabalhos que grande erro,
Ainda que tivesse a voz de ferro.”
Camões

CONVITE (A)MAR O MAR
Ó poetas!
Sonhadores de ilusões e mistérios
Vinde pelo mar em frente!
Solitários ou com outra gente!
Vinde ver o mar!
Aqui há sombras de pasmar
Silêncios infinitos
Vozes a falar de abismos
Chamamentos ocultos
Gargalhadas, risos,
Delírios! Loucuras e gritos!
Marulhos a ressoar
Explosões, estrondos de atordoar
Espaços puros, abertos!
Fumos, nevoeiros etéreos!
Vastos desertos de embriagar os sentidos.
- Poetas! Vós que amais o mar
Vinde, vinde ao mar!
Jorge Trabulo Marques
Vinde ver a frondosa fronte do mar
A sua violência verde, os seus turbilhões brancos.
Vinde ver os deuses que ainda não morreram,
com a sua nudez de vagas harmoniosas,
De sinfonias ondulantes, de lamentos tumultuosos.
Vinde ver o que ainda está vivo com as suas artérias,
As suas extensas planuras com vagarosas luas.
Vinde ver a escultura monótona e brilhante
Das suas águas primitivas com seus peixes luxuriantes.
Esta é a plenitude da lava, da limpidez do sémen
Do mundo, a vivacidade das aéreas áreas
Que se inscrevem nas águas com a vibração primeira
Dos primeiros pés virgens que sulcaram as ondas.
Quem poderá esquecer essas panteras fugidias
Que ondulam, como luas nas faixas da água?
Só no mar o sol é sorriso do ocidente
E nele mergulha o azul com a lentidão de um astro.
Vinde, vinde ver o reino que ainda existe
Que se respira a luminosa esteira dos deuses.
António Ramos Rosa - 30.01.95
Ó poetas!
Sonhadores de ilusões e mistérios
Vinde pelo mar em frente!
Solitários ou com outra gente!
Vinde ver o mar!
Aqui há sombras de pasmar
Silêncios infinitos
Vozes a falar de abismos
Chamamentos ocultos
Gargalhadas, risos,
Delírios! Loucuras e gritos!
Marulhos a ressoar
Explosões, estrondos de atordoar
Espaços puros, abertos!
Fumos, nevoeiros etéreos!
Vastos desertos de embriagar os sentidos.
- Poetas! Vós que amais o mar
Vinde, vinde ao mar!
Jorge Trabulo Marques
Vinde ver a frondosa fronte do mar
A sua violência verde, os seus turbilhões brancos.
Vinde ver os deuses que ainda não morreram,
com a sua nudez de vagas harmoniosas,
De sinfonias ondulantes, de lamentos tumultuosos.
Vinde ver o que ainda está vivo com as suas artérias,
As suas extensas planuras com vagarosas luas.
Vinde ver a escultura monótona e brilhante
Das suas águas primitivas com seus peixes luxuriantes.
Esta é a plenitude da lava, da limpidez do sémen
Do mundo, a vivacidade das aéreas áreas
Que se inscrevem nas águas com a vibração primeira
Dos primeiros pés virgens que sulcaram as ondas.
Quem poderá esquecer essas panteras fugidias
Que ondulam, como luas nas faixas da água?
Só no mar o sol é sorriso do ocidente
E nele mergulha o azul com a lentidão de um astro.
Vinde, vinde ver o reino que ainda existe
Que se respira a luminosa esteira dos deuses.
António Ramos Rosa - 30.01.95
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