SOBREVIVER NO MAR DOS TORNADOS
38 DIAS À DERIVA NUMA PIROGA
Finalmente, graças à compreensão e ao louvável
acolhimento da Embaixada de Portugal em São Tomé e Príncipe vou poder concretizar
um velho sonho: apresentar, na capital destas maravilhosas ilhas, e no Centro
Cultural Português, a exposição fotográfica e documental, que esteve patente no
Padrão dos Descobrimentos, em Lisboa, de 10 de Março a 10 de Abril de 1999,
inserida no espírito da Expo98, “Os Oceanos”, subordinada ao título: SOBREVIVER
NO MAR DOS TORNADOS – 38 DIAS À DERIVA NUMA PIROGA.

Sou natural da aldeia de Chãs do concelho de Vila Nova de Foz Côa, onde, nos últimos anos, após ali ter descoberto, em 2002, vários alinhamentos pré-históricos, com os equinócios e solstícios, tenho sido o responsável pela coordenação de vários eventos culturais. Sou jornalista (da ex-Rádio Comercial RDP), tendo vivido vários anos em São Tomé – ilha onde desembarquei, em Novembro de 1963, para um estágio, na Roça Uba-Budo, da Companhia Agrícola Ultramarina, do meu curso de Agente Rural, da Escola Agrícola de Santo Tirso. Várias foram as profissões que aqui exerci, até os primeiros passos do jornalismo, assim como também muitas foram as vicissitudes, bem como os dias mais felizes da minha vida, aqui vividos, entre aquela distante data e Outubro de 1975, cujas histórias dariam talvez matéria para alguns livros. Mas ficará para ocasião oportuna.
Jornal Novo – 25.9.1976 “Ele correu perigos que assustariam o mais corajoso, incorreu em temeridades que não visavam o lucro mas uma meta mais longínqua. Um insatisfeito desejo de se afirmar e de demonstrar que moram no homem, e com ele vivem , recursos insuspeitados e adormecidos. Não se pense que se referimos a um aventureiro gratuito, que apenas pretende chamar sobre si as atenções, sem objectivos louváveis. Nada disso.(...) "
"As gravações a que procedeu no mar são empolgantes e transmitem o estado de espírito do homem que se encontra só e não conta senão com ele e com Deus. A resistência do homem á fome, à sede e ao desespero, constituem uma constante do seu relato. É comovente a transcrição do feito de Jorge Marques, o qual justificava a publicação de um livro, contendo, em pormenor, o que a escassez do espaço de um jornal não comporta."
A descrição que passou á deriva numa piroga no Golfo da Guiné, se levada ao cinema, daria um filme memorável, principalmente se o realizador extrair da odisseia a espantosa variedade de facetas que ela oferece.” Excertos do Jornal Novo
es.

Ó Deus Omnipotente e Salvador!... Ó JESUS CRISTO!...Ó BELO E MAGNÍFICO EXEMPLO SENHOR MEU!... Que maior tormento e suplício aquele!... Deitado no duro fundo daquele inconstante, encharcado, tosco e frágil madeiro escavado!… Porém, mesmo assim, quão doce e infinito era aquele meu tormento!... Quantas vezes, me lembrei da tua cruz e do teu calvário!... Quando já estavas prostrado e rendido às leis da morte e da vida para te lançarem estendido ao sepulcro!.. Quantas!... Quantas vezes!... Quando tudo à minha volta me parecia revolto e perdido… Sim, no meio avassalador daquelas espessas trevas e noites de breu, cercado pelo tumulto escuro do mar e do céu! E, ante a imensa e tenebrosa solidão, apenas se me afigurava vislumbrar o perfil do teu piedoso rosto… Embora triste e macilento, banhado de suor e de lágrimas!... Mas coroado de esplendorosa caridade e de compaixão… por aqueles mesmos que te traíram e não compreenderam a tua humana, divina e nobre missão! Mas aos quais a áurea que iluminava a tua face, me parecia resplandecer apenas emanada por um infinito sentimento de amor e perdão
“Contar-te longamente as
perigosas
Cousas do mar, que os
homens não entendem,
Súbitas trovoadas
temerosas,
Relâmpagos que o ar em
fogo acedem,
Negros chuveiros, noites
tenebrosas,
Bramidos de trovões que
o mundo fendem,
Não menos é trabalhos
que grande erro,
Ainda que tivesse a voz
de ferro.”
Camões
O objetivo desta minha exposição é associar-me ao espírito das comemorações do 40.º aniversário da Independência de São Tomé e Príncipe; mostrar à população destas encantadoras ilhas, às generosas e pacíficas gentes deste jovem país, das quais tenho as mais gratas recordações, um conjunto de várias fotografias, artigos, excertos do meu diário de bordo, entre outros documentos, das minhas aventuras marítimas e da escalada do Pico Cão Grande, com a colaboração de uma corajosa equipa de santomenses. Espólio que, no termo da exposição, gostaria de doar ao Museu Nacional de São Tomé e Príncipe.

Em resumo, direi que sou
autor de várias travessias em pequenas pirogas primitivas, nos mares do Golfo
da Guiné, por força de muitos treinos, sempre que me era possível, de praia em
praia, nas frágeis canoas dos corajosos pescadores de São Tomé, aos quais
desejo aqui expressar um abraço de reconhecimento e de admiração, não apenas
pela dureza e risco das suas vidas, em que se expõem, sempre que partem para o
mar, como também pelos ensinamentos que me prestaram, já que foram eles os meus
melhores mestres.

Larguei à meia-noite, clandestinamente, pois sabia que se pedisse
autorização esta me seria recusada, dada a perigosidade da viagem, levando
comigo apenas uma rudimentar bússola para me orientar. No regresso de avião a
São Tomé, fui preso pela PIDE, por suspeita de me querer ir juntar ao movimento
de Libertação de São Tomé e Príncipe, no Gabão, o que não era o caso. Levei
três dias e enfrentei dois tornados. À segunda noite adormeci e voltei-me com a
canoa em pleno alto mar. Esta era minúscula e vivi um verdadeiro drama para me salvar, debatendo-me como
extrema dificuldade no meio do sorvedouro denegrido das águas.
Cinco anos depois, numa piroga um pouco maior, fiz a ligação de São
Tomé à Nigéria. Uma vez mais parti sem dar a conhecer os meus propósitos, ao
começo da noite, servindo-me apenas de uma simples bússola. Ao cabo de 13 dias
chegava a uma praia ao sul deste país africano, tendo sido detido durante 17
dias por suspeita de espionagem, após o que fui repatriado para Portugal. Os
jornais nigerianos destacaram em primeira página o feito.



Acabei por ser arrastado pelas correntes até à Ilha de Fernando Pó, já
no limiar da minha resistência física, onde fui tomado por espião, algemado e
preso numa cela de alta segurança, a mando do então Presidente Macias Nguema, após o que fui repatriado para Portugal, tal como me
acontecera na Nigéria. Mas, agora, graças a uma pequena mensagem que levava do
então jovem Governo de São Tomé e Príncipe, que recentemente tinha ascendido à
sua independência, para saudar o povo irmão brasileiro, quando eu aportasse na
sua costa.

Já se passaram vários anos, porém essa minha
experiência ainda está muito presente na minha memória. E duvido que algum
náufrago possa alguma vez esquecer os seus longos momentos de abandono e de
infortúnio.
Jorge Trabulo Marques
São
Tomé
julho
2015
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