“Se me perguntassem neste momento qual era
o meu maior desejo, eu responderia que era tomar um banho!.. Impossível!.. Pois
estou rodeado de tubarões!.. Era tomar um banho e beber qualquer coisa
fresca, gelada! E, também, diga-se de passagem, falar com alguém”.- In Diário de Bordo
Jorge Trabulo Marques - Algures no Golfo da Guiné, 6 de
Novembro de 1975 -
Dezassete dias depois de ter sido largado a escassa distância e a Norte da Ilha de Ano Bom pelo pesqueiro Hornet, que me transportara a canoa de S. Tomé, com a condição de me largar no braço da corrente de Benguela, https://pt.wikipedia.org/wiki/Corrente_de_Benguela - rumo ao Brasil
.Quando o navio se aproximou desta pequena Ilha, convidou-me a abandonar a
canoa e a trabalhar a bordo, alegando que era arriscado fazer essa aventura. Não
tendo aceite a sua proposta, a canoa é arreada, depois de ter assinado um termo
de responsabilidade, decidindo voltar a S. Tomé, aproveitando, então, os ventos e as corretes favoráveis rumo a
norte
Depois de um dia de navegação normal, se bem que tendo, durante a manhã e a tarde, sempre duas canoas atrás de mim, com dois velejadores em cada uma, mundios de zagaias, possivelmente para se apoderarem dos meus mantimentos, sou confrontado por um violento tornado, vindo do sul, que me faz perder o leme, que havia adaptado à popa, bem como o remo principal e alijar-me de bidões de água potável e a maior parte dos alimentos enlatados por forma a evitar que a canoa se afundasse, quando um vagalhão quase a encheu. A partir daí, começaram os tormentos: 38 dias de incerteza, ainda pela frente improvisei um remo com bocados da cobertura no extremo de um barrote, mesmo assim, era-me muito dificil e penoso navegar. Logrei salvar a máquina fotográfica e o gravador (registo do diário de bordo) graças a um contentor de plástico, igual aos do lixo.
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Lá ao fundo e a sul, ia ficando longe a Ilha de Ano Bom |
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Pesqueiro fundeado junto Ano Bom |
Dezassete dias depois de ter sido largado a escassa distância e a Norte da Ilha de Ano Bom pelo pesqueiro Hornet, que me transportara a canoa de S. Tomé, com a condição de me largar no braço da corrente de Benguela, https://pt.wikipedia.org/wiki/Corrente_de_Benguela - rumo ao Brasil
Depois da tempestade |
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Na noite e dia seguinte da tempestade |
Depois de um dia de navegação normal, se bem que tendo, durante a manhã e a tarde, sempre duas canoas atrás de mim, com dois velejadores em cada uma, mundios de zagaias, possivelmente para se apoderarem dos meus mantimentos, sou confrontado por um violento tornado, vindo do sul, que me faz perder o leme, que havia adaptado à popa, bem como o remo principal e alijar-me de bidões de água potável e a maior parte dos alimentos enlatados por forma a evitar que a canoa se afundasse, quando um vagalhão quase a encheu. A partir daí, começaram os tormentos: 38 dias de incerteza, ainda pela frente improvisei um remo com bocados da cobertura no extremo de um barrote, mesmo assim, era-me muito dificil e penoso navegar. Logrei salvar a máquina fotográfica e o gravador (registo do diário de bordo) graças a um contentor de plástico, igual aos do lixo.
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Com um barrote logrei disparar a máquina presa no mastro |


Diário de Bordo 3 - Já tomei o pequeno almoço: constituiu de uma farinhazita e fiquei mais ou menos bem disposto. A água que apanhei das chuvas não é assim muito agradável... Enfim, vai-se aguentando, enquanto se pode


Nesta manhã volto a ter a sensação de ter a terra à vista, a Norte, o que tudo indica que seja a ilha de Fernando Pó (Bioko)... Ainda está muito longe mas já há uma perspetiva encorajadora. Oxalá que sim!...
É terra!... De facto, é terra!.... Andam aqui umas aves que tenho a impressão que se dirigem para lá!... Meu Deus! Já chega de sofrimento!...Realmente, tenho passado muito mal!....É realmente incrível as condições em que navego! A canoa sempre nesta dança tomboleando! constantemente!... Os tubarões em volta! O mar agitado!...Enfim, é uma situação para a qual é preciso ter muita calma, muita paciência e nunca desanimar!...Pois, por exemplo, aquele tubarão de ontem!... De um momento para o outro um tubarão gigantesco!!... Começa ali às rabanadas, às rabanadas! em volta da canoa!!... Três, quatro vezes!... Eu, com o remo, com o remozito que aqui tenho e que é a única coisa que me sobrou (da tempestade) e que não dá nada! a dar-lhe no dorso! e ele nada!... Depois, agarrei no machim e, quando lhe dei em cheio é que o gajo desapareceu de uma vez para sempre


Diário de Bordo 5 - Hoje o moral não é mau....Espero talvez amanhã atingir a Nigéria. As correntes estão-me arrastar.. Verifico que é realmente uma força enorme que me arrasta!... O mar apresenta-se de um azul muito escuro, talvez devido ao céu, que está muito cinzento!... As aves continuam aqui às voltas à procura de peixes.Este mar é riquíssimo em peixes!... Só me faz confusão não haver aqui nenhum barco de pesca. Já vislumbrei nuns mastros, muito ao longe!...Apercebi-me, devido a uns ruídos estranhos....Estava deitado na canoa e, às tantas, verifiquei que eram uns mastros de um barco qualquer numa distância muito grande de mim...Quanto, à segurança da canoa, ela tem as rachas muito mais abertas mas parece que deve aguentar até chegar a terra.... A canoa de ocá, embora leve e frágil, ao mesmo tempo é resistente à força das vagas.
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Com pescadores santomenses |
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Ouvindo-khe as suas histórias |
Diário de Bordo 6 -Neste momento, gostava de registar uma palavrinhas a todos quantos me ajudaram, e foram tantas as pessoas que tão amavelmente me prestaram a sua colaboração. A essas pessoas, eu quero aqui deixar uma palavra de simpatia e de muito apreço. Não vou referir-me a uma por uma que isso seria moroso. Mas apenas focar este aspecto. Por outro lado, quero também lembrar, aliás nunca me saíram do pensamento, os meus familiares e amigos. Todos quantos me são queridos têm estado no meu pensamento e no meu coração.
Diário de Bordo 7 -- Se me perguntassem, neste momento, qual seria o meu maior desejo, digamos assim, ah! era tomar um banho!... Impossível tomá-lo na água do mar, pois estou rodeado de tubarões! Era isso que eu gostava mais!...E, também, diga-se de passagem, falar com alguém!... Já estou saturado... (gracejo) Sim, é preciso ter muita pachorra!...Sei lá!... Muita tolerância, muita paciência! para se aguentar tanto tempo... Este isolamento!.... Esta solidão!.

ESTE DIÁRIO SÓ FOI POSSÍVEL GRAÇAS À TRANSCRIÇÃO DO REGISTO NUM PEQUENO GRAVADOR - QUE PUDE RESGUARDAR DO MAR NO CAIXOTE DE PLÁSTICO, QUE SE SE VÊ NA IMAGEM - IGUAL AOS DO LIXO

Diário de Bordo 9 -- Espero que desta vez chegue à Nigéria e não vá a ter aquelas burocracias, os trâmites, as dificuldades que tive da outra vez com os nossos amigos nigerianos!... Espero que sejam mais amáveis para comigo, pois já me conhecem!... Estou convencido, pela direção das correntes, que vou lá ter outra vez!
UM FIM DE TARDE FELIZ
(imagem obtida com a máquina fotográfica amarada ao mastro e disparada com auxílio do pequeno remo, tal como a primeira imagem deste post)

Diário de Bordo 10 - Esta é uma tarde realmente maravilhosa! Um fim de tarde maravilhoso!... A canoa desliza suavemente! As aves parecem também seguir a canoa!... Os peixes igualmente! Todos caminham!... Os peixes ao lado da canoa e as aves à frente!... Curioso este espetáculo!....
Mar azul! com espuma de alva!... Tudo tem vida neste momento!... A canoa desliza! Desliza suavemente!... É maravilhoso!... Para mim, é um dos períodos da tarde mais interessantes....O sol, de vez em quando, encobre-se com as nuvens, mas volta novamente a dar a sua luz sobre este magnífico cenário!...
(No registo do meu pequeno gravador, ouve-se bater da água da canoa, enquanto navego)


Como é doce e suave navegar ao sabor das correntes e dos ventos!... O remo é fraco, é um remo improvisado! Mas agora está a dar muito jeito!
Diário de Bordo 11 - Aproxima-se o fim da tarde do 17º dia. Já ando à deriva. Já deixei de velejar... Neste momento, voltei a ver contornos, julgo que da Ilha de Fernando Pó... E a direção que a canoa está a tomar é precisamente para lá... Esperemos!... Amanhã se verá!...
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