Jorge Trabulo Marques - Jornalista - De facto, os santomenses fazem parte de um povo pacífico incapaz de matar um cachorro à nascença, pois entendem que todos os bichos têm direito à vida e que cabe à mãe-natureza fazer a seleção natural, mas os políticos, de modo geral, pelo que me é dado depreender, conquanto não sejam agressivos, são exímios na demagogia – Falam, falam, mas, pelos vistos, as obras vão sendo adiadas para o dia de São Nunca

“Todos recordam que as roças eram exploradas por colonos portugueses que conseguiam melhores proveitos à custa da mão-de-obra barata dos nossos ancestrais contratados (que de facto eram escravos, visto que não podiam regressar aos seus países de origem). Em segundo lugar, a maioria das roças funcionava como um autêntico feudo (Estado dentro do Estado), onde o patrão detinha todo o poder sobre as pessoas que nele viviam, onde o poder e a justiça da Metrópole nem do Governador na Colónia não se aplicavam. Nas roças foram cometidas talvez as maiores injustiças da era colonial. Muita gente defende o Marco de Fernão Dias e por vezes esquece que o nosso passado também está marcado em cada pedra das nossas roças. Por outras palavras, cada roça é um monumento e devia ser preservado como tal.” –17 jul. 2009 Tluquí Sun Deçu: Porquê que nós sempre persistimos nos mesmo erros?

Palavras que subscrevo inteiramente – pois conheci essa negra realidade. Mas também poderia estar de acordo com a sua crítica aos erros que posteriormente se cometeram após a independência E que são apontados no seguimento do mesmo texto: “volvidos 34 de independência, após repetidas tentativas de viabilização falhadas com várias empresas e a famigerada distribuição de terras, os nossos dirigentes e a maioria dos são-tomenses ainda não perceberam que o modelo das roças é um modelo falhado. Nós temos de reinventar as roças e adaptá-las à nossa realidade actual.” E, pelos vistos, era justamente o que deveria ter acontecido: “Não deu os resultados almejados, a reforma agrária não foi acompanhada da necessária ruptura e substituição do antigo modo de produção por outro mais moderno” – É o que se conclui noutro texto de autoria de Maria da Graça do Espírito Santo Costa.
Tenho pena que se tivessem cometido tais erros. Não me surpreendem: são erros de um jovem país que parte em busca da sua identidade e da sua afirmação. O colonialismo explorou a terra e o povo durante séculos e nunca se importou em preparar quadros e apontar-lhe o rumo da sua autodeterminação. – A Revolução de Abril, cometeu também muitos erros mas não tem propriamente culpa, pois não fez mais do que pôr cobro a uma situação caduca e intolerável. Mas como fazer melhor, quando a herança que se tem em mãos, é consequência do obscurantismo e da opressão?!... Era de prever, que, um dia, à força do Salazarismo querer tudo, nos ia deixar sem nada – Nos lançaria para uma enorme crise social e económica e nos deixaria arruinados – Daí que tenham sido muitos os escolhos, desde que, Portugal e os povos que subjugava, se abriram a novos rumos na senda de uma saudável convivência, tolerância e espírito democrático. .

Todavia fico profundamente magoado ao ver que, a pujante natureza, tomou conta das instalações das antigas roças. Há quem goste de ver as ruínas cobertas de verdura. Pessoalmente, gostaria que a natureza fosse respeitada, e também não é, nomeadamente no sul, onde as desmatações selvagens têm colocado em risco o seu equilíbrio, e que tudo quanto que foi obra do esforço humano, fosse sabiamente preservado.
É verdade que as administrações das grandes propriedades agrícolas nunca valorizaram a mão-de-obra dos forros, dos filhos da terra. É verdade que nunca foram além de capatazes, excetuando alguns mulatos, filhos dos brancos administradores ou feitores gerais. Mas ao menos que, tais antigas propriedades, fossem minimamente limpas e preservadas. E não é isso que acontece, para prejuízo do povo destas maravilhosas ilhas
Daí que, ao folhear a obra dos dois arquitetos, confesso que sou mais invadido por um sentimento de tristeza de que pelo encantamento. Já não me refiro às roças onde não estive, mas onde trabalhei, - que deceção! Ver as instalações, naquele estado ruinoso! Onde nem sequer o capim é cortado, e vivem pessoas, é desleixo em demasia! Sim, pergunto: onde estão aqueles belos edifícios do Uba Budo, Ribeira Peixe ou do antiga Roça Rio do Ouro, a que foi dado o nome do herói angolano, Agostinho Neto, com aquele hospital, no topo da avenida, que quase rivalizava com o hospital da cidade! Em que estado estão agora, todas aquelas instalações, desde as antigas senzalas, chalés dos empregados, armazéns de secagem e oficinas?.... Escombros, simplesmente escombros. – E, pelos vistos, o cenário repete-se na Boa Entrada, Água Izé, e tantas outras roças que conheci - Face a essas imagens, que poderei eu confessar senão um profundo sentimento de desencanto e de angústia.
- Os filhos da terra - "os forros" - não iam além de capatazes e, geralmente, o trabalho que lhes era destinado era o da capinagem.. - Até os brancos tinham todos de começar de empregado de mato - Foi a categoria que me deram e o ambiente colonial que eu fui encontrar em S. Tomé. Pagavam mal e trabalhava-se de sol a sol. . Só se tinha direito a férias de quatro em quatro anos.

No mato, o trabalho era todo de empreitada aos serviçais. Estes podiam regressar às sanzalas - angolanos, moçambicanos e cabo-verdeanos - , concluídas as tarefas e depois de apanharem umas quantas ratazanas (principal praga do cacau) mas o empregado do mato continuava até ao fim do dia de machim na mão.. Apanhava-se a chuva no corpo, que acabava também por secar com a roupa, sem se mudar. Não se andava de guarda-chuva. Quanto muito, cortava-se uma folha de bananeira.

REGISTO EM VIDEO NUM CASUAL ENCONTRO EM JULHO DE 2015 COM OS PRIMOS JOSÉ ABEL E MANUEL LOMBA CAPITO - FILHOS DE PAIS ANGOLANOS, MAS JÁ NASCERAM EM S. TOMÉ – Na antiga roça Rio do Ouro, atual Agostinho Neto, a maior das propriedades agrícolas, pertencente à Sociedade Agrícola Vale Flor, onde, em 1965, também conheci a dureza desses tempos, como empregado de mato - Pena que hoje as suas instalações estejam irreconhecíveis e os seus heróicos residentes a passarem por tão difíceis privações - Num dia destes, conto divulgar as entrevistas que ali fiz e recordar o período que ali vivi até ir para a tropa
VIDA NAS ANTIGAS ROÇAS COLONIAIS É MUITO COMPLICADA PARA GARANTIR A SOBREVIVÊNCIA DO DIA - NÃO BASTAM OS FRUTOS QUE A TERRA DÁ - QUEM OS PODE COMPRAR ? - Mesmo quase dados.
AUTÊNTICOS FEUDOS (UM ESTADO DENTRO DE OUTRO ESTADO), ONDE TODO O PODER SOBERANO ERA PERMITIDO – ATÉ A CHIBATADA! MAS A MELHOR HERANÇA QUE SOBEJOU FOI NACIONALIZADA E DESTRUÍDA –


É verdade que as administrações das grandes propriedades agrícolas nunca valorizaram a mão-de-obra dos forros, dos filhos da terra. É verdade que nunca foram além de capatazes, excetuando alguns mulatos, filhos dos brancos administradores ou feitores gerais. Mas ao menos que, tais antigas propriedades, fossem minimamente limpas e preservadas. E não é isso que acontece, para prejuízo do povo destas maravilhosas ilhas
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Almoço no mato Roça Uba-Budo1963 |
Daí que, ao folhear a obra dos dois arquitetos, confesso que sou mais invadido por um sentimento de tristeza de que pelo encantamento. Já não me refiro às roças onde não estive, mas onde trabalhei, - que deceção! Ver as instalações, naquele estado ruinoso! Onde nem sequer o capim é cortado, e vivem pessoas, é desleixo em demasia! Sim, pergunto: onde estão aqueles belos edifícios do Uba Budo, Ribeira Peixe ou do antiga Roça Rio do Ouro, a que foi dado o nome do herói angolano, Agostinho Neto, com aquele hospital, no topo da avenida, que quase rivalizava com o hospital da cidade! Em que estado estão agora, todas aquelas instalações, desde as antigas senzalas, chalés dos empregados, armazéns de secagem e oficinas?.... Escombros, simplesmente escombros. – E, pelos vistos, o cenário repete-se na Boa Entrada, Água Izé, e tantas outras roças que conheci - Face a essas imagens, que poderei eu confessar senão um profundo sentimento de desencanto e de angústia.
TRABALHO DE ESCRAVO NAS ROÇAS DAS BOAS E MÁS RECORDAÇÕES - QUE AGORA ESTÃO IRRECONHECÍVEIS
1965 - Na sede da Roça Rio do Ouro - Num domingo |

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Uba Budo 1963 |
Sede da Roça Uba Budo 2014 - |
De volta à Roça, em 2014, depois de ali ter trabalhado em 1963- E alguns meses de 64
Salvo alguma assistência fornecida pelas instituições de solidariedade social - Mas para quem vive no isolamento das antigas roças, embora disponha de frutos e de alguma criação doméstica, o dia a dia ainda continua a ser uma tarefa hercúlea - Vale-lhes a possibilidade de viverem a meias com a generosa natureza, porém; não basta o que produzem, que é vendido por quase nada e nem sempre o conseguem; os edifícios dos antigos hospitais estão irreconhecíveis; as instalações das creches, e até as senzalas, encontram-se em ruínas ou bastante danificadas
DIÁLOGO COM ANTIGAS ESCRAVAS NUMA DAS ROÇAS EM QUE FUI EMPREGADO DE MATO,QUE TEVE 16 FILHOS - 4 MORRERAM
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Jorge Marques - anos 60 - Dependência da Roça Uba-Budo |
- "Então: diga-me uma coisa: há pessoa que tem saudade do antigamente, é verdade?” – "Tenho muitas saudades! Porque antigamente tinha muita comida! Tinha escravatura mas tinha comida à vontade!... Agora que não tem escravatura, não há comida!
Todavia, sempre foi dizendo: “Agora cada um arranjou, seu bocado, bocado! Está a trabalhar para a vida dele - a gente trabalhava com dendém; trabalhava com filho às costas; trabalhava com tina na cabeça com chuva mas agora está tudo bem!.
"Aqui não havia nada! Nem sequer uma loja para comprar um pão!”
Comecei por ouvir uma das “serventas” da Casa Grande; moradora no lugar do Conde, distrito de Lembá, perto de Gadalupe, a noroeste – Natural de S. Tomé, pois de outro modo nem ela podia ter correspondido às exigências do Grande Patrão, Sr. Fonseca, que só aceitava meninas bonitas e forras (nativas) para o servirem.
Confessou-me que até gostava daquele tempo: “eu gostei!” Sim, porque a sua escravatura deveria ser outra, quando o Grande Patrão, se deslocava para a Roça Ponta Figo, da mesma empresa) mas sempre foi acrescentando que “aqui não havia nada! Nem sequer uma loja para comprar um pão!” … Tinha que ir a Santo Amaro”.
Quando lhe perguntei por que é que agora há mais gente (nascimentos) de que naquele tempo, respondeu: “eu não sei” … Deus é que sabe.
Mãe de vários filhos, uma filha que é deputada - E também avós de vários netos.
Só que, a evolução nos vários ramos do ensino, que, desde a independência, STP, havia conhecido, tornando o pequeno pais, num dos raros exemplos em África, foi absolutamente subvertida nos últimos 4 anos com o regime corrupto e autoritário do Governo de Patrice Trovoada
- Foi ali que eu conheci o pai do Coronel Victor Monteiro, um contratado caboverdiano fabuloso, responsável pela vacaria e as hortas - Um homem generoso e bom, sempre prestável, tanto para com os seus compatriotas, como para com os empregados da roça -
Quebra do cacau - 2014 - Uba-Budo |
Mas depois do desabafo, compreendereis por parte de quem teve muitos filhos para criar e ninguém para a ajudar a cria-los, lá foi reconhecendo que não há preço que pague a liberdade e até entoou o hino Nacional de STT, com a criançada à sua volta
AS MINHAS SAUDADES DE S. TOMÉ NÃO SÃO DE MODO ALGUM DA VIDA ESCRAVA NAS ROÇAS - TAL COMO NÃO PODERÃO SER NEM PARA OS POBRES TRABALHADORES NEGROS NEM PARA A MAIORIA DOS MUITOS BRANCOS, EMPREGADOS DE MATO - Que só podiam gozar a graciosa de 4 em 4 anos - Mesmo assim era muito problemático, até porque, muitos deles, não resistiam às insidiosas febres do paludismo.
Naqueles tempos, um empregado de roça não podia ir a outra dependência da empresa sem autorização do administrador. E o mesmo sucedia para se deslocar à cidade, ao qual eram concedidas, praticamente autorizações excepcionais, pois corria o risco de ficar mal visto, perante a sobranceria do Patrão, (Administrador) que ali se deslocasse todos os domingos.
Também ali conheci duas (impuseram-mas) com uma idade que podia ser quase a da idade de minha mae, que, infelizmente, haveria de falecer dois anos depois, para nunca a mais voltar a ver na aldeia onde nasci. . Confesso que até foi uma experiência amorosa interessante, sobretudo, mais tarde, com a Margarida, quando passei a viver na cidade e fui convidado a colaborar como operador de rádio, na sequência da publicação, em vários capítulos, na revista Semana Ilustrada de Luanda, sobre a minha arrojada aventurara de canoa de S. Tomé à Ilha do Príncipe, a que dei o título de Viagem Clandestina ao Paraíso - Ainda levei uns sopapos da PIDE e uma pesada coima da capitania dos portos mas a minha vida a partir daí mudaria radicalmente.
Aos trabalhadores negros, além do seu labor diário, nao podiam voltar ao terreiro, findas as empreitadas, só com o machim ou varra de colheita na mão, obrigavam-nos a trazer determinado número de ratos, que eram os grandes devastadores do cacau ou levar pelas costas ou à cabeça, montes de erva para a vacaria,
De vez em quando, alguns dos contratados ou serviçais, sobretudo os que para ali vinham na condição de forçados de Angola, Guiné ou Moçambique, para cumprir até alguns pequenos delitos, não se conformando com o regime duro e esclavagista da roça, abandonavam as senzalas, refugiando-se no interior da selva, ali buscando a sobrevivência, graças à generosidade da natureza, mas enfrentando também os seus rigores e adversidades.
JÁ SE ME TINHA CONSTADO QUE HAVIA NAS ROÇAS QUEM NÃO SE IMPORTASSE DE VOLTAR A PÔR A CANGA DA SUBMISSÃO NO PESCOÇO - É fácil de reagir assim à distância, sobretudo quando há políticos que extremam o seu egoísmo, não se importando de votarem ao desprezo, em mil passeatas fora do país, o mínimo s garantias de sobrevivência da vida do povo simples - Lá que a pequena burguesia dos santomese, que o colonialismo favorecia, para fazer de contas que o regime fascista, até era multirracial, sim, não me surpreende que teçam elogios ao Salazarismo - De resto, vistas bem as coisas, com outra ética que os seguidores do liberalismo selvagem, atualmente não evidenciam; senão, como exclusivo valor, a cor do cifrões: os outros também andavam atrás deles mas ainda pugnavam por ideais que eles consideravam nacionalistas. Mas o surpreendente é que essa burguesia santomense (que é mais dada ao interesse financeiro, que cultural) apoie figuras, que, além de estrangeiradas, descaradamente se comportam como altos mafiosas, despudorados, sem vergonha.
Sim, confesso que foi para mim uma surpresa dececionante, que, passados tantos anos, ainda ouvisse vozes a dizerem-me que preferiam a escravidão, daqueles tempos, de que a fome que rapam atualmente – Pese a miséria das malgas de feijão bichoso e furado ou peixe seco, que lhe era distribuído aos fins de semana para confecionaram as suas pobres refeições, com ambos os produtos importados de Moçâmedes, muitos dos quais já deteriorados ou em vias de o serem por força da humidade saturante onde eram armazenados.
Pessoalmente, a única saudade que tenho é da minha juventude, que não volta mais e que ali fora, também, bastante humilhada e escravizada e do sempre e renovado encanto, que era a invulgar beleza que ia descobrindo, em cada manhã e ao longo do dia, pois levantava-se cedinho, às quatro e meia da manhã e só se entrava no terreiro já com o sol-posto –
Oh! E como poderia eu também esquecer-me do manto multi-verde, os trechos da luxuriante e variada flora, com que me ia deslumbrado com a sinfonia da exótica passarada, que se me ia deparando, em cada encosta que subisse ou grota que descesse, por mais íngreme e arriscada que fosse, sempre de machim na mão, a conhecida catana africana, que ali toma aquele nome.– Instrumento obrigatório para ir limpando os rebentos dos troncos dos cacaueiros ou para ajudar na quebra do cacau ou para matar alguma serpente venenosa, que não deixavam de deslizar por entre o capim ou dependuradas nalgum galho, especialmente, na Ribeira Peixe, ao sul da Ilha, zona mais quente e pluviométrica, antes de ter vindo a trabalhar para a Roça Rio do Ouro, atual Roça Agostinho Neto, onde, em Outubro de 2014, viria a decorrer parte do diálogo do vídeo, que aqui apresento
Naquela que fora a propriedade da Sociedade Agrícola Vale Flor, cujo administrador, o bem conhecido e típico, Sr. Fonseca. que, embora não impusesse a mesma dureza férrea que o Administrador da Companhia Agrícola Ultramarinas, impunha aos empregados para lidarem com os serviçais, tratando-os a todos por tu e por forma prepotente e grosseira, portava-se, porém, como um predador sexual das meninas, que regularmente lhe eram entregues(por angariadoras ou angariadores) para saciar os seus vícios e apetites de corpos ainda na fase da inocência e da formação.
Nunca deu ares de me humilhar: senao com esta expressão, quando o chefe de escritórios, o Sr. Menezes, me levou à sua presença, dizendo-lhe: "este é o nosso novo empregado mato" - "Então passe-lhe já um machim para a mão - Eu já sei que esteve no Uba-Budo, e na Ribeira Peixe; o Pereira já me contou que era amigo dos pretos, que lhe dava muita confiança. Não gostava de os tratar por tu. Pois, por mim, mão importo que até lhe vão ao cu, desde que trabalhem
A bem dizer, nunca ali ninguém me impôs as aberrantes regras da Roça Uba-Budo e Ribeira Peixe, que ali atingiam o extremo do empregado de mato obrigar o capataz o brandir a chibata ou a palmatoada, a quem se recusasse cumprir as empreitadas das formas: não completasse a área marca, pelos lanços de cordel, da capinagem ou enchesse uns quantos sacos nas colheitas, mas também não teve a sensibilidade de reconhecer que eu procurara S. Tomé para ali fazer o estágio final do meu curso de Técnico-Agrícola, atraído mais pelo prazer da descoberta de uma maravilhosa Ilha equatorial e depois retornar a Portugal do que me submeter à categoria de um vulgar empregado de mato e aspirar trepar os escalões do regime colonial da Roça. Só durante o serviço militar, no CTISTP, como furriel miliciano, pude encontrar as condições apropriadas, quando fui nomeado encarregado da quinta da exploração agro-pecuária do quartel, com o reconhecimento do meu relatório assinado pelo Eng Agrónomo, Morbey responsável pela Brigada de Fomento, Agro-Pecuário do Pótó-Póto, onde vi a trabalhar, cerca de dois anos, em apicultura, quando terminei a Tropa - Organismo do Estado onde haveria de conhecer o Evaristo Carvalho, atual Presidente da República, que ali desempenhava, com notável competência e admiração de todos os funcionários, o cargo de chefe de secretaria, -
Pois, na verdade, o trabalho que desenvolvi na quinta do quartel, foi bastante apreciado pelo Comando Militar e comandante da Companhia, a que eu pertence, a ponto de ter sido distinguido por um merecido um louvor, visto que, ao fim de escassos meses, graças à minha experiência da roça, além de também ser responsável da messe de oficiais, lograva abastecer os refeitórios de todas as cantinas com os produtos da pecuária e das plantações de bananeiras e ananases (estes comprados na Roça do Eng. Salustino Graça, perto da Trindade, um homem perseguido pela PIDE, devido às suas ideias nacionalistas - Numa das vezes, encontrei-o junto do Dr. Mário Soares e do filho João Soares - Pessoas às quais os colonos das Roças, evitavam falar, dadas as conotações atribuídas ao seu curriculo revolucionário.
Depois de ter cumprido o serviço militar - parte dele em Angola – graças a Deus que nunca mais voltei ao regime duro e opressor da roça: Mas a verdade é que, só quase doze anos, depois é que voltaria a ver os familiares horizontes das minha aldeia e a pisar o chão que me viu nascer.
No Equador, a noite mata o dia de um só golpe. O crepúsculo começava a cair sobre a ilha e, daí por momentos, a noite desce abruptamente, ou iluminando tudo com a claridade branca e puríssima do luar ou envolvendo as florestas, conjuntamente o imenso mar em redor, com o mesmo manto enegrecido, sob uma imensa cúpula cravejada de estrelas, quando o céu está descoberto ou fazendo dele um tecto ainda mais cerrado e fúnebre..
Naqueles momentos de sublimidade crepuscular, quando as tempestades ou a fúria dos temíveis tornados, não assolam inesperadamente a Ilha, facilmente de constata pelo olfacto e por todos os sentidos despertos, que o espaço húmido, rapidamente fica impregnado de perfume de rescendentes aromas ou inebriantes sabores e odores das muitas flores exóticas que despontam do denso alvoredo, que faz sombra aos cacaueiros ou que brilham por entre os muitos arbustos, nas suas copas ou debaixo delas.
No entanto, a “Casa do Patrão” , a “Casa Grande” , que se destacava no terreiro, fosse qual fosse a hora, que se olhasse, infundia um temeroso respeito, tanto a negros como a brancos subalternos: um temor que parecia vir de longe, da nebulosidade dos séculos, pois era testemunha muda dos tempos da escravatura Eis, pois, neste registo sonoro, o espontâneo diálogo, registado numa terra, que, afinal, conquanto não seja aquela onde nasci, me levou a adotar, como se minha pátria fosse. O que eu não esperava é que ali ouvisse vozes com saudades da escravidão – Sinal, de que alguma coisa não tem sido bem feita pelos governantes, depois da independência e que deve ser corrigida para que não correrem o risco de, em vez de passarem por libertadores, passarem a ser lembrados como amaldiçoados.
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